Obrigações de empresas portuguesas já atraíram 67 mil investidores.

Depois das emissões da EDP, ZON, Semapa, Sonae, PT e Brisa, a REN é a empresa que se segue. Juros oferecidos superam os dos depósitos, mas investimento tem mais riscos e pequenas aplicações são penalizadas pelas comissões bancárias.

Há uma nova versão do capitalismo popular em Portugal. Em poucos meses, já foram subscritos perto de 1000 milhões de euros em obrigações de três empresas nacionais (EDP, Semapa e Zon), o equivalente à receita do Estado com o corte de salários na função pública e pensionistas.

O montante subscrito também é idêntico ao do valor resgatado nos Certificados de Aforro até final de Maio, o que se pode explicar pela reduzida remuneração que oferecem, inferior a 1%. Bem mais atractivas são as taxas de juro dos novos Certificados do Tesouro, emitidos pelo Estado, que podem atingir os 7,1% anuais brutos a 10 anos, e que têm tido uma adesão muito reduzida por parte dos portugueses, com um saldo captado de 66 milhões de euros, a que não será estranho os receios gerados pela crise da dívida soberana na zona euro.

Impressionante é também o nível de procura que as emissões privadas têm registado, que se fosse totalmente satisfeito permitiria colocar 2,6 mil milhões de euros. De acordo com dados da NYSE Euronext, a sociedade que gere a bolsa de Lisboa, e ainda sem a emissão da Brisa, cujo período de subscrição termina amanhã, mais de 67 mil investidores responderam ao apelo das empresas, subscrevendo um valor médio de 12.200 euros cada um.

Mas os montantes vão disparar. Estão em curso emissões com o valor indicativo de 500 milhões de euros (Brisa, Sonae e PT), valor que pode crescer consideravelmente se, como já aconteceu em emissões anteriores, a colocação aumentar, aproveitando a apetência demonstrada pelos investidores. A REN deverá ser a próxima empresa a emitir obrigações para subscrição particular. O PÚBLICO sabe que têm sido feitos contratos junto de instituições financeiras no sentido de preparar uma oferta semelhante. Contactada pelo PÚBLICO, a empresa escusou-se a confirmar a emissão.

Depois da corrida à compra de acções - um movimento que começou com a privatização da EDP, no final da década de 1990 -, está a verificar-se uma forte adesão às obrigações de empresas nacionais. Isso deve-se às elevadas taxas de juro oferecidas, bem acima das melhores ofertas dos depósitos a prazo.

Também aqui, a eléctrica nacional deu o pontapé de saída, no final do ano passado, com o lançamento de uma emissão de 200 milhões de euros, e oferecendo uma taxa de juro anual bruta de 6,25%, o que corresponde a uma taxa anual nominal líquida (TANL) de 4,688%. A procura foi elevada, com 38,18% das ordens por satisfazer, o que incentivou a EDP a realizar uma segunda emissão já este ano. No montante de 250 milhões de euros e com a mesma taxa de rentabilidade, neste caso a procura superou em 26% a oferta. Seguiram-se a Zon e a Semapa, com a oferta de taxas anuais brutas de 6,85% (TANL de 5,138%).

A nova vaga de capitalismo popular será reforçada com as emissões da Sonae SGPS (proprietária do PÚBLICO) e da PT. A Sonae pretende colocar 100 milhões de euros e vai ainda testar a venda de obrigações em alguns balcões dos hipermercados Continente. A taxa oferecida nas Obrigações Continente, é essa a designação, é a maior em relação às empresas que já emitiram, atingindo os 7% brutos (TANL de 5,250%).

Já a PT pretende colocar 250 milhões de euros a uma taxa anual bruta de 6,25% ( TANL de 4,688%) - ainda assim, acima dos melhores depósitos a três anos, que apesar de anunciarem taxas brutas superiores têm uma taxa líquida que fica pelos 3%. Esta fica mesmo abaixo da inflação prevista pelo Banco de Portugal (BdP), que é de 3,2%.

Em contrapartida, a generalidade dos depósitos oferece taxas de depósito abaixo dos 3%. Esta é uma consequência directa das limitações impostas pelo BdP à oferta de taxas de juro, travando uma concorrência desenfreada entre instituições pela captação de novos depósitos.

Por outro lado, mesmo para prazos de três anos, há Obrigações do Tesouro que garantem rentabilidades bem mais altas que as oferecidas pelas empresas, o que se explica pela subida do risco do país.



Novas alternativas

As grandes empresas sempre realizaram emissões de obrigações, mas faziam-no nos mercado internacional. As que tinham notação de rating (avaliação de risco) ou eram colocadas junto dos bancos nacionais, que ficavam com elas, ou as colocavam junto dos maiores clientes. As novas emissões, destinadas directamente aos investidores particulares, estão a acontecer porque as outras fontes de financiamento deixaram de existir ou são mais caras.

Para emitirem no mercado primário, para investidores institucionais, as empresas teriam de pagar pelo menos mais um ou dois pontos percentuais face ao que estão a oferecer aos particulares. Os bancos que estão num processo de desalavancagem, ou seja, de redução de crédito concedido, estão fora desta corrida.

"Apesar de ser um investimento com risco, a solidez das empresas que estão a realizar as emissões justificam a forte procura", defende Teresa Pinheiro, economista chefe do BPI.

Fonte: Público