Adjunto de Miguel Relvas demite-se
Nos telemóveis de Jorge Silva Carvalho, o Ministério Público (MP) encontrou mensagens trocadas com o ex-jornalista Adelino Cunha, adjunto do gabinete do ministro Miguel Relvas. Entre 8 e 15 de Setembro de 2011, o adjunto e o ex-espião combinam falar através de um telefone fixo, é referida uma ligação através dos telefones da Presidência do Conselho de Ministros e concordam em encontrar-se para beberem um café no Hotel Tivoli
Após ter sido questionado pela SÁBADO, o adjunto do ministro anunciou a demissão – “Apresentei o pedido de demissão, que o Ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares aceitou”.
Já sobre as mensagens trocadas com o espião, o adjunto esclarece: “Conheci o Dr. Jorge Silva Carvalho antes de ter sido nomeado adjunto político do Ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares e mantive, por minha iniciativa, contactos durante o período em que exerci funções”.
Adelino Cunha especifica ainda porque é que falou e se encontrou com o ex-espião – “Em Setembro de 2011, o Dr. Jorge Silva Carvalho manifestou a sua indignação pelo facto de um envelope que lhe fora enviado pela Assembleia da República ter sido alegadamente violado. A título pessoal, contactei antigos colegas jornalistas alertando-os para esse facto. Informei-o também sobre os rumores que corriam na Assembleia da República sobre o alegado conteúdo dos documentos”.
E conclui: “Ao longo de 20 anos de carreira como jornalista e como historiador trabalhei por diversas vezes matérias relacionadas com Serviços de Informações e Defesa Nacional em artigos de jornais, revistas e nos livros que publiquei”.
O jantar do ministro
5 de Agosto, 20h 51m e 44s. Jorge Carvalho mandou um sms ao assessor de Imprensa da Ongoing, o ex-jornalista Ricardo Santos Ferreira. A confusão já estava instalada nas secretas com as primeiras notícias publicadas que o apontavam como suspeito na passagem de informações para o grupo empresarial de Nuno Vasconcellos. O assessor estaria preocupado e Jorge Carvalho recomendou-lhe tranquilidade, elogiou-o e mandou-o repousar. O conselho foi que ignorasse o que se dizia, pelo menos até ao dia seguinte quando saisse o jornal Expresso.
Nessa altura, sim, se assim o decidisse Nuno Morais Sarmento, o ainda hoje seu advogado e ex-ministro da Presidência dos Governos de Durão Braroso e Santana Lopes. Nessa noite, não, porque o ex-espião dizia estar na Quinta do Lago, a jantar no restaurante Gigi. E Jorge Silva Carvalho gabou-se que estava a comer com Rafael Mora, o patrão e o número dois do grupo Ongoing, e ainda Miguel Relvas, que há cerca de mês e meio fora empossado ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares do actual Governo liderado por Pedro Passos Coelho.
Miguel Relvas já confirmou na Comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais ter recebido emails e sms de Jorge Silva Carvalho. “Conheci Jorge Silva Carvalho num acontecimento público em abril” (2010), disse e assegurou: “Nem ele me fez perguntas sobre o PSD, nem eu lhe fiz perguntas sobre os serviços secretos”. E garantiu que não voltou a falar com o ex-espião depois de ter assumido o cargo de ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares.
A SÁBADO fez várias questões ao ministro Miguel Relvas, sobretudo sobre o alegado jantar na Quinta do Lago. A resposta foi sucinta: “Os esclarecimentos sobre este assunto foram oportunamente prestados na 1ª Comissão Parlamentar.Nessa altura afirmei que me tinha cruzado com o Dr. Jorge Silva Carvalho numa festa de aniversário, no Algarve, em Agosto de 2011”.
Já sobre a intervenção do seu adjunto, Miguel Relvas diz: “Quanto às sms’s do meu Adjunto, Dr. Adelino Cunha, nada mais tenho a acrescentar ao que foi dito pelo próprio”.
Para o Ministério Público (MP), a referência às relações entre Jorge Silva Carvalho e Miguel Relvas estão no processo crime para demonstrar que o espião se relacionava bem com novo poder político saído das eleições legislativas que derrotaram José Sócrates, a 5 de Junho de 2011 (a tomada de posse do novo Governo foi a 21 de Junho). E também para explicar que, depois de Jorge Silva Carvalho se demitir em Novembro de 2010 da direcção do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), sempre tivera a intenção de regressar aos serviços secretos como secretário-geral do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP). E que, para isso, manteve uma teia de influência dentro e fora dos serviços secretos.
Na relação com Miguel Relvas, apesar de se tratarem com algum formalismo nas mensagens que trocaram, a relação do ex-espião com o actual ministro já seria bem anterior ao alegado jantar da Quinta do Lago. No processo constam também mensagens enviadas a Miguel Relvas a 10, 12 e 18 de Novembro de 2010, no mês em que o ainda superespião negociou com Nuno Vasconcellos a entrada como administrador no grupo Ongoing – no inquérito estão também várias respostas evasivas de Miguel Relvas. Um delas foi enviada a 16 de Abril de 2010, com o então braço direito de Passos Coelho no PSD a prometer ao espião a satisfação de um pedido (processo não diz qual). Já a 18 de Novembro, o tema do sms é o jornalista Nuno Simas – sem qualquer outra referência que permita perceber do que se tratava.
Mas se existia formalismo no trato entre Jorge Silva Carvalho e Miguel Relvas, também se percebe – sobretudo pelo tipo de mensagens enviadas por Silva Carvalho - que a relação entre ambos permitiu que o ex-espião lhe dissesse que deveria ser o futuro secretário-geral do SIRP. E, já agora, quem seriam os outros nomes que deveriam ocupar as direcções do SIED: João Bicho e a adjunta F.T (ex-PJ que fez a auditoria interna ao SIED, que consta no processo crime, e onde não ficou sequer provado quem nos serviços teria tido acesso à facturação telefónica do jornalista Nuno Simas). E do SIS: Luís Neves, ainda hoje director nacional-adjunto da PJ para a área do Terrorismo (Jorge Carvalho já convidara no passado para ser o seu número dois no SIED, mas Luís Neves recusou) e a espia P.M. A indicação foi dada a Miguel Relvas a 19 de Maio de 2011, às 21h 37m.
Nessa altura, Silva Carvalho também alertou Miguel Relvas, com alguma ironia à mistura, para as movimentações que estariam a acontecer por parte de Ângelo Correia, um militante histórico do PSD e ex-patrão de Pedro Passos Coelho no sector privado – Silva Carvalho revelou que Ângelo Correia estaria a manobrar nos bastidores para afastar do SIS um velho rival do superespião, o também espião G.V.
Segundo Silva Carvalho, o rival já teria até o caminho traçado para o sector privado: seria colocado no Millenium BCP. A manobra de afastamento dos serviços era vista como necessária para o histórico do PSD colocar na liderança do SIS a mulher de G.V., a espia H.R. – qualificada como meia louca por Jorge Carvalho.
Dias depois, a 6 de Junho, o espião repetiu tudo isto numa mensagem que enviou ao director nacional adjunto Luís Neves. O director nacional da PJ disse à SÁBADO que Silva Carvalho nunca lhe disse sequer que teria enviado o seu nome a Miguel Relvas sugerindo-o para a direcção do SIS. “A minha vontade é que manda: esse nunca foi o meu caminho”, diz peremptório. A SÁBADO ainda não conseguiu contactar Ângelo Correia.
Fonte: Sábado