Duas dezenas de câmaras em tribunal devido a promoções de funcionários
Perto de 20 câmaras têm processos a correr nos tribunais por terem obrigado os funcionários promovidos em 2009 e em 2010 a devolver as valorizações salariais, mas tudo indica que terão um desfecho semelhante às duas sentenças proferidas recentemente pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, dando razão aos trabalhadores
Em causa está a promoção de centenas de funcionários por decisão dos presidentes de câmara (ao abrigo da Lei dos Vínculos, Carreiras e Remunerações), mas que a Inspecção-Geral das Autarquias Locais (IGAL) considerou ilegal, forçando os autarcas a anular essas decisões.
De acordo com José Manuel Marques, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), entre as autarquias com processos em tribunal contam-se Aveiro, Bombarral, Caminha, Campo Maior, Castelo Branco, Celorico da Beira, Elvas, Évora, Gavião, Guimarães, Ílhavo, Meda, Mogadouro, Oliveira de Azeméis, Portel, Sabugal, Setúbal, Viana do Castelo e Vila Velha de Ródão.
Tudo começou em Maio de 2010, quando o anterior responsável da IGAL enviou uma circular a todos os inspectores a alertar que só as câmaras que aplicaram o Sistema Integrado de Desempenho da Administração Pública (SIADAP) na íntegra podiam fazer promoções gestionárias. A interpretação foi contestada pelos autarcas, mas perante a insistência da IGAL - argumentando que corriam o risco de perder o mandato por crime de peculato - muitos acabaram por anular as promoções e obrigaram os trabalhadores a repor a valorização salarial.
Em finais de Fevereiro, a presidente da Câmara de Setúbal, Maria das Dores Meira, considerou a decisão da IGAL "uma escandalosa e injustificada perseguição" às autarquias e aos trabalhadores. A autarca assinou a progressão de cerca de 400 trabalhadores, fundamentada "numa análise técnica cuidada e rigorosa". Porém, explicou na altura, viu-se na obrigação de anular os despachos, sob pena de ela própria ser obrigada a repor perto de um milhão de euros.
Gavião e Elvas foram outros dois casos em que os trabalhadores tiveram que devolver o dinheiro a prestações. Contudo, o Tribunal de Castelo Branco já veio dar razão a dois trabalhadores.
No caso do Gavião, o juiz entende que "não é coerente com o espírito do quadro legal que se considere que a progressão remuneratória só possa ocorrer nos casos em que há efectiva avaliação, a que correspondem pontos atribuídos, e não nos casos em que ope legis (por força da lei) tais pontos são atribuídos".
Por isso, realça a sentença, "independentemente da fonte de atribuição, o facto de o funcionário possuir os pontos necessários para o efeito, deverá, dentro dos demais condicionalismos legais, determinar a progressão na escala indiciária de vencimentos".
Já em Palmela, a autarca Ana Teresa Vicente, recusou-se a anular os despachos que promoviam perto de 800 trabalhadores. Em Melgaço, o presidente Rui Solheiro, recusou-se a pedir a reposição das verbas aos 89 funcionários promovidos e remeteu o caso para o tribunal de Braga.
A Lei dos Vínculos Carreiras e Remunerações (12-A) cria duas vias para os funcionários públicos progredirem na carreira - que actualmente estão suspensas. Uma é obrigatória e ocorre sempre que os funcionários juntam dez pontos na avaliação. A outra (gestionária) depende das notas obtidas em cada ano e da decisão dos dirigentes. A Lei prevê ainda que quando não são avaliados, os funcionários recebem um ponto por cada ano para efeitos de progressão na carreira, mas o anterior responsável da IGAL considerava que essa pontuação apenas servia para as progressões obrigatórias.
Procuradoria-Geral analisa a lei
O Governo espera um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) para decidir se revê a forma como alguns artigos da Lei 12-A/2008 têm sido aplicados pelas autarquias.
A questão é saber se os trabalhadores que não foram avaliados pelo Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública (SIADAP) podem progredir na carreira por decisão do presidente da câmara ou se estão impedidos de o fazer, como entendia o anterior responsável da Inspecção-Geral das Autarquias.
Questionada sobre se as recentes sentenças a favor dos funcionários levarão à mudança da interpretação, a secretaria de Estado da Administração Local considera "prematura qualquer revisão da solução interpretativa", sem o parecer da PGR, pedido pelo anterior governo em Dezembro de 2010.
Ainda assim, a secretaria de Estado esclarece que o entendimento anterior, que obrigava os trabalhadores a devolver o dinheiro ou responsabilizava os autarcas, foi "objecto de reponderação".
Fonte: Público