Tribunal Constitucional prepara-se para viabilizar eutanásia e suicídio assistido

O Tribunal Constitucional (TC) está prestes a emitir um novo acórdão sobre a lei da eutanásia e do suicídio assistido, sendo expectável que a maioria dos juízes do Palácio Ratton legitime finalmente a legislação aprovada em 2023. A lei, apesar de ter sido promulgada há quase dois anos, nunca teve efeitos práticos, uma vez que a sua regulamentação não foi concluída.

O caso chegou ao TC na sequência de pedidos de fiscalização apresentados por um grupo de 56 deputados do PSD e, em paralelo, pela provedora de Justiça. Questionado pelo jornal Público sobre o estado do processo, o tribunal confirmou que “já deliberou”, mas não esclareceu qual o sentido da decisão, limitando-se a informar que a redação final do acórdão está em curso.

O responsável pela elaboração do texto final é o vice-presidente do TC, Gonçalo Almeida Ribeiro. O juiz, apesar de ter participado nos chumbos das versões anteriores da lei, sempre defendeu que a Constituição não impede a legalização da eutanásia e do suicídio assistido. Segundo Almeida Ribeiro, os problemas identificados nas versões anteriores prendiam-se essencialmente com a redação do diploma e a falta de clareza em certos conceitos, como a definição de “sofrimento de grande intensidade”.


Nova versão da lei elimina ambiguidades
A atual versão da lei, publicada em março de 2023, procurou corrigir essas ambiguidades, estabelecendo, por exemplo, que a “morte medicamente assistida só pode ocorrer por eutanásia quando o suicídio medicamente assistido for impossível devido a incapacidade física do doente”. Este ajustamento foi uma resposta a um dos principais argumentos dos juízes que se opunham à lei, os quais defendiam que o suicídio assistido deveria ser sempre a primeira opção, dado que confere maior garantia de autodeterminação ao doente.

Em janeiro de 2023, quando analisou a versão anterior do diploma, Almeida Ribeiro destacou a importância dessa hierarquização: “O suicídio tem a vantagem indiscutível de consubstanciar uma garantia acrescida de firmeza da vontade de morrer, uma vez que conserva o facto no domínio do autor, responsabiliza-o pelas suas consequências e adstringe-o a vencer a inclinação para a sobrevivência (…). A exigência de que a pessoa pratique o ato confronta-a com a decisão de morrer até ao último momento.”

Este argumento foi reforçado pelo atual presidente do TC, José João Abrantes, que já alertava para o risco de transformar a constitucionalidade da morte medicamente assistida “numa mera hipótese teórica” ou limitada a situações de morte iminente, o que a tornaria praticamente inaplicável.

A última análise do TC sobre este tema foi marcada por um equilíbrio de posições dentro do coletivo de juízes, com os 13 magistrados do tribunal a dividirem-se quase ao meio. Almeida Ribeiro, apesar de ter votado contra a versão anterior da lei, criticou o que considerava ser exigências irrealistas colocadas ao legislador na definição dos conceitos fundamentais.

Em declarações anteriores, o juiz apontava a necessidade de um enquadramento legal mais preciso, referindo que o sofrimento físico não pode ser reduzido apenas à dor insuportável, mas deve abranger também o desconforto permanente e a mobilidade reduzida. O acórdão que está a ser ultimado terá de encontrar um equilíbrio entre estas diferentes perspetivas, procurando um consenso que evite futuros impasses legais.

Fonte: Executive Digest