Parlamento volta a aprovar lei da eutanásia: agora é a vez de Marcelo

É a terceira vez que o Parlamento aprova lei de despenalização da eutanásia. Mas Marcelo Rebelo de Sousa ainda vetar ou pedir fiscalização preventiva da constitucionalidade. Chega, PCP e a maior parte dos deputados do PSD votaram contra, com André Ventura a apoiar-se em Passos Coelho para prometer reverter a lei assim que maioria de direita voltar ao poder

Pela terceira vez em dois anos, o Parlamento aprovou em votação final global a lei da morte medicamente assistida, que legaliza a eutanásia e o suicídio medicamente assistido. Na reta final do processo legislativo, contudo, o Parlamento agitou-se com um pedido de última hora do PSD para a realização de um referendo à eutanásia, que adiaria a votação da lei. Sem sucesso, a maioria pró-eutanásia, que inclui partidos de esquerda mas também de direita, travou as tentativas de adiamento e votou a lei.

Depois da aprovação na quarta-feira na comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, a nova lei subiu ao plenário e recebeu os votos favoráveis de PS, Bloco de Esquerda, Iniciativa Liberal, PAN e Livre — os quatro primeiros partidos foram os autores da proposta, que juntou num texto comum as iniciativas legislativas de cada um deles. Chega e PCP votaram contra.

Sem disciplina de voto, da bancada do PSD vieram seis votos favoráveis — Catarina Rocha Ferreira, Hugo Carvalho, André Coelho Lima, Isabel Meireles, Sofia Matos e Adão Silva — e três abstenções. A maior parte dos deputados sociais-democratas votou contra. Também no PS, houve votos contrários à maioria da bancada: seis deputados socialistas votaram contra a lei — Joaquim Barreto, Pedro Cegonho, Sobrinho Teixeira, Romualda Fernandes, Cristina Sousa e Maria João Castro. Também houve uma abstenção socialista.

No total, o documento recebeu 126 votos a favor, 84 votos contra e quatro abstenções.

Resta saber se é desta que a nova lei entra em vigor, sendo que Marcelo Rebelo de Sousa já a travou por duas vezes por dúvidas de constitucionalidade. E pode fazê-lo novamente, tendo as três opções em cima da mesa a partir do momento em que o diploma chegar a Belém - o que ainda deve demorar cerca de uma semana. Marcelo tem dito que vai ser breve a analisar a lei e a decidir sobre o que fazer. Se enviar para o Tribunal Constitucional, os juízes têm 25 dias para decidir.

ESQUERDA CONGRATULA-SE, VENTURA APOIA-SE EM PASSOS PARA PROMETER REVERTER A LEI
Certo é que a despenalização da morte medicamente assistida divide o Parlamento, e a sociedade, ainda que não seja um tema que divide a esquerda e a direita. A votar contra estiveram o PCP, o Chega e a grande maioria dos deputados do PSD, com os liberais a posicionarem-se ao lado do PS, BE, PAN e Livre no apoio à despenalização da eutanásia.

No final da votação, André Ventura voltou a criticar os supostos “atropelos ilegais” e as “falhas na democraticidade” do processo legislativo e alegou que o processo foi feito “à medida” de uma “maioria de deputados que já nem representa o povo português de forma fidedigna”. “Ficou claro que a esquerda tem medo de ouvir os portugueses” nesta matéria, afirmou, sugerindo que os deputados eleitos não representam a verdadeira vontade da sociedade no que à despenalização da eutanásia diz respeito, uma vez que os partidos não se apresentaram a eleições com uma posição fechada.

É nesse sentido que André Ventura se apoia no antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho para deixar uma promessa: “Assumimos o compromisso inequívoco e sério de, quando voltarmos a ter maioria nesta casa, reverter a lei”. “A primeira coisa que faremos é reverter a lei infame da eutanásia”, disse, lembrando que Passos Coelho “não é militante do Chega”, mas concordando em absoluto com o que escreveu o ex-líder do PSD esta sexta-feira num artigo de opinião no jornal Observador.

Para Passos, os partidos que são contra a lei deviam tê-lo dito de forma clara atempadamente, coisa que o PSD de Luís Montenegro não fez, e deviam assumir desde já o compromisso de reverter a lei (caso seja promulgada) quando voltarem a ter maioria.

À esquerda, os deputados que estiveram envolvidos no processo legislativo congratularam-se com a decisão. Catarina Martins disse mesmo que “era mais do que tempo de Portugal dar este passo — e este é o dia”. A coordenadora do Bloco de Esquerda lembrou que o novo projeto “responde a todos os apelos”, tanto os do Tribunal Constitucional quanto os de Marcelo, que vetou a lei por duas vezes, e que agora “não há motivo” para que não avance, “diante de tantas histórias de mortes agonizantes pela dor”.

“Quer se queira quer não, estamos a dizer às pessoas que se, por alguma tragédia, deixarem de conseguir viver de forma plena e se estiverem em profundo sofrimento, podem recorrer a este mecanismo”, disse Inês Sousa Real, do PAN, afirmando que tal não invalida que o direito aos cuidados paliativos deva ser “assegurado para toda a gente”.

Ainda à esquerda, há um voto em sentido contrário ao da maioria. O PCP opõe-se à lei porque considera que o que ela decide é “uma opção do Estado e não dos indivíduos”. Um Estado que, disse a deputada Alma Rivera, “nega aos cidadãos meios para viver dignamente” não pode depois fornecer “meios legais para antecipar a morte”. “A opção do PCP não é tomada de ânimo leve, e resulta de uma reflexão profunda”, acrescentou.

Por fim, coube à deputada socialista Isabel Moreira encerrar as declarações pós-votação. “Esta é uma lei de direitos fundamentais e não uma questão de consciência”, apontou uma das responsáveis pela consensualização do texto dos quatro partidos que desenharam a lei. Isabel Moreira citou João Semedo, ex-líder do Bloco, quando este disse que lei da eutanásia “há muito estaria aprovada se os mortos pudessem falar”, e até André Coelho Lima, um dos deputados do PSD que votaram a favor da despenalização da eutanásia: o amor ao próximo significa amá-lo como “este quer ser amado e não como nós queremos amá-lo”.

Isabel Moreira referiu-se ainda a casos de pessoas que desejariam que a lei existisse há mais tempo, como o de Luís Marques, “que tinha 63 anos, estava paraplégico há 55, e percorreu mais de dois mil para concretizar uma morte assistida negada em Portugal”. Ou o “silêncio forçado das pessoas que nos escrevem e telefonam a exigir escolher, mas sem forças para se manifestarem”

Fonte: Expresso
Foto: António Pedro Santos/Lusa