ERSE é o regulador mais politizado e Concorrência o que mais sofre com cativações
Cultura regulatória portuguesa é escassa e amplitude da ação dos reguladores depende de vontade política. Avanços nesta área só têm acontecido por pressão internacional, diz estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Há cerca de um ano, o primeiro-ministro, António Costa, colocava em causa o poder dos reguladores, apontando o dedo a "quem construiu essa doutrina absolutamente extraordinária de que era preciso limitar os poderes dos governos para dar poderes às entidades reguladoras". Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) vem, agora, defender que as entidades reguladores nacionais, apesar da lei, enfrentam "diversas restrições" relacionadas com a "governação e o regime financeiro e organizacional". Conclui, por exemplo, que a ERSE é, "aparentemente, a mais politizada" das três autoridades estudadas e que a AdC é "a entidade que tem sofrido" mais com as cativações.
A Lei-Quadro das Entidades Reguladoras está em vigor desde 2013. Foi uma condição imposta pela troika ao governo de Pedro Passos Coelho para "assegurar credibilidade" junto de instituições internacionais face aos remédios aplicados na última crise económica, social financeira que Portugal enfrentou. Nove anos depois da criação de "regras que contribuem para uma maior independência da regulação", as mudanças introduzidas "não foram tão longe quanto seria desejável no que respeita à proteção da independência das entidades [reguladoras]".
"Não há independência quando a entidade reguladora é politizada ou capturada por interesses que divergem do interesse público", considerando que a independência dos reguladores depende da "liberdade que têm face a tentativas de interferência por parte do poder político e das empresas reguladas", lê-se no estudo "O Estado-regulador em Portugal: Evolução e desempenho", divulgado esta segunda-feira pelas FFMS.
O estudo incide sobre a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), a Autoridade da Concorrência (AdC) e Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom).
Qual o problema identificado? Primeiro, a lei "mantém na esfera do governo competências que deveriam caber à Assembleia da República", permite "a aplicação de cativações e limita a realização de atividades necessárias ao exercício de competências sancionatórias".
Depois - embora "as reconduções e saídas antecipadas [dos líderes dos reguladores], que podem ser indícios de politização", não sejam "frequentes" e não haja, "em regra, uma disparidade entre a nomeação de políticos e de pessoas não filiadas em partidos" -, há "uma politização na ação destas entidades".
"A ERSE é, aparentemente, a mais politizada das três entidades, uma vez que, desde a sua fundação, em 1995, metade das pessoas nomeadas para a administração detinham experiência política, maioritariamente em cargos governativos", lê-se.
Já a AdC é a entidade "em que a politização das nomeações menos se nota". Todavia, é "a entidade que tem sofrido o maior impacto das cativações [de verbas para melhorar recursos e ação, desde 2016]".
No caso da Anacom, é realçado que não foi possível apurar dados relativos à execução orçamental da entidade. E, apesar da formal independência, a ação da administração da Anacom é "restringida quer pela sujeição à supervisão financeira e patrimonial por parte do governo, quer pela possibilidade de dissolução do conselho de administração por resolução do Conselho de Ministros", considerando que o executivo pode dissolver o board da Anacom a qualquer momento "com base em "graves irregularidades no funcionamento do órgão" ou por "considerável excesso das despesas realizadas sobre as orçamentadas, sem justificação adequada".
Excluindo questões de independência ou politização, a Anacom só se destaca "pela diversidade de indicadores de desempenho que desenvolve e reporta", em comparação com a ERSE e AdC, face à ação das empresas reguladas.
Críticas ao tribunal
Uma segunda parte da análise da FFMS incide sobre o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS). Criado em 2011, o estudo refere que o TCRS "contribuiu para o aumento da celeridade nos recursos das decisões das entidades reguladoras", mas tal não se refletiu "num aumento da celeridade dos tribunais aos quais esses processos foram retirados".
Admite "um aumento da eficácia da justiça", mas lê-se na análise que não foi possível "concluir que tenha existido um aumento da eficiência da justiça".
Aliás, "a criação de um tribunal centralizado nacional contribuiu para uma justiça mais distante dos cidadãos, implicando um acréscimo nos custos globais - e o aumento da desigualdade - de acesso à justiça", nota a FFMS.
A criação de um tribunal especializado também "não contribuiu para o aumento significativo da especialização dos juízes" - nem para a melhoria da qualidade da justiça.
"A reforma judicial ficou incompleta: as decisões das entidades reguladoras continuam a ser escrutinadas por tribunais não especiali- zados, como os tribunais administrativos, e não há coerência no que respeita aos recursos judiciais, uma vez que várias entidades reguladoras continuam a permitir recursos para o Supremo Tribunal de Justiça onde, ao contrário de outros países, os juízes não contam com um quadro de assessores especializados", lê-se.
Não menos importante é a conclusão de que os avanços regulatórios, em Portugal, têm ocorrido não por vontade política, mas "por pressões externas", motivadas pelas reformas do setor público noutros países ocidentais, pelas obrigações decorrentes da adesão às instituições europeias.
Fazendo um ponto de situação derradeiro, o estudo da FFMS declara: "O Estado-regulador em Portugal mudou, mas pouco e nem sempre para melhor, sendo difícil atribuir de forma inequívoca essa escassa mudança à Lei-Quadro das Entidades Reguladoras e ao novo tribunal especializado".
Fonte: Diário de Notícias
Foto: Leonardo Negrão / Global Imagens