Nova lei das penhoras de casas não trava execuções da banca
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Fisco fica com menos margem para recuperar dívidas. Habitação pode ser penhorada mas não vendida. Já numa execução bancária, não pode haver despejo até o imóvel ser alienado.
A nova lei que trava a venda da habitação permanente de uma família quando a casa está sob penhora do fisco, aprovada nesta sexta-feira no Parlamento, pretende evitar os despejos, mas não trava a execução da habitação por parte dos bancos.
O diploma permite à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) penhorar a habitação própria a permanente do devedor, mas com reduzidos efeitos práticos, uma vez que o Estado fica impedido de proceder à sua venda. Os devedores vão poder permanecer na habitação enquanto a dívida permanecer.
O novo diploma foi redigido na especialidade por um grupo de trabalho entre o PS, o BE e o PCP, depois de os três partidos terem apresentado projectos autónomos sobre as penhoras. A proposta passou na votação final global no plenário desta sexta-feira, com o CDS-PP a abster-se e o PSD a votar contra, alegando que se trata na prática de um “perdão fiscal encapotado”.
O diploma só protege a habitação própria e permanente das dívidas fiscais e aplica-se aos imóveis até 574 mil euros de valor patrimonial, ficando de fora as casas às quais se aplica a taxa máxima do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT).
Se a habitação tiver sido comprada com empréstimo bancário, o que implica a constituição de uma hipoteca do imóvel, a protecção da morada de família já não fica protegida pela actual lei, explicou ao PÚBLICO o deputado Paulino Ascenção, do BE.
Caso haja pagamentos de empréstimos em falta, as novas regras das penhoras não travam a possibilidade de os bancos avançarem com a execução da hipoteca e de procederem à venda do imóvel, como tem acontecido a milhares de famílias. Até ser vendida a casa, a habitação fica protegida. A lei prevê que, numa penhora ou execução de hipoteca, “o executado é constituído depositário do bem, não havendo obrigação de entrega do imóvel até que seja concretizada a venda do imóvel”.
Nas vendas desencadeadas pela banca, é reduzida ou mesmo nula a possibilidade de recuperação dos montantes em dívida por parte do fisco. Apenas as dívidas de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis) e de IMT se sobrepõem às dívidas da banca, garantidas por hipoteca.
O PCP chegou a apresentar uma proposta para impedir a execução de hipoteca da habitação própria e permanente por dívidas fiscais, mas a solução ficou de fora do novo texto dos três partidos.
Prescrição suspensa
Com as alterações agora introduzidas, o fisco fica praticamente limitado a executar as dívidas através de outros bens do devedor, se existirem. Apenas nos imóveis de valor patrimonial superior a 574.323 euros é que as Finanças podem proceder à venda do imóvel, ainda assim, com suspensão de um ano.
Actualmente, quando o fisco avança para uma penhora (se a dívida for superior a 150 euros), já segue uma ordem para satisfazer o seu pagamento. Primeiro, devem ser executadas rendas, contas, depósitos bancários, créditos. Só depois é que a AT deve penhorar os salários, os bens móveis e, por último, imóveis. No entanto, estes já são o principal bem penhorado e vendido autoridade tributária. Como a lei impede a venda da casa, agora,a atenção do fisco ficará centrada nos restantes bens, como salários, contas bancárias ou automóveis, por exemplo. Quando em Dezembro apresentou o diploma que seria depois discutido com o PS e o PCP, o Bloco lembrava que, “desde 2014, 5891 famílias já perderam a casa numa penhora por dívidas à AT”.
Assumindo as maiores dificuldades do fisco em recuperar as dívidas, a lei suspende a sua prescrição enquanto se mantiver a impossibilidade de proceder à venda do referido imóvel.
Questionado pelo PÚBLICO sobre as implicações das alterações agora propostas ao Código de Procedimento e de Processo Tributária e à Lei Geral Tributária, o fiscalista João Espanha alerta que, “na prática, a AT vai ficar sem meios para cobrar a dívida enquanto a situação se mantiver”. Assim, “a suspensão da contagem da prescrição da dívida supõe que o prazo geral [oito anos] se mantém o mesmo, mas a contagem pára. Ou seja, enquanto a casa estiver ‘suspensa’, o prazo de prescrição não está a contar, está igualmente suspenso, pelo que pode efectivamente ser ‘eterno’”, alerta o advogado fiscal.
Rogério Fernandes Ferreira, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, destaca que “existindo outros bens do executado é previsível que sejam estes penhorados e vendidos para satisfazer a dívida tributária, mantendo-se, contudo, a penhora do referido imóvel”.
O diploma nada refere em relação à contagem de juros de mora, fixados em 5,168 % para 2016, o que agravará substancialmente o montante em dívida. Contactado pelo PÚBLICO, João Paulo Correia, deputado do PS e subscritor da proposta de alteração da lei, admite que se aplique a norma geral.
Da leitura do diploma, Fernandes Ferreira diz que se pressupõe “que continuarão a contar juros de mora” até a dívida ficar saldada. E destaca que “não existe, desde a Lei do Orçamento do Estado de 2012, qualquer limite temporal à contagem de juros de mora”.
Fonte: Público