Suspeitos não devem usar algemas nem ir a tribunal vestido 'à preso'

Parlamento europeu emite diretiva para reforçar princípio da presunção de inocência. Portugal tem de acatar regras até 2018.

Os suspeitos de um crime - ainda com a culpa por provar e sem uma condenação no "currículo" - não poderão usar algemas, serem vistos com as vestes típicas de um preso ou serem alvo de qualquer tipo de coerção física (como um pequeno empurrão) por parte das autoridades, sempre que estejam em tribunal ou em público. "Para não criar a impressão de que são culpados", devem assim ser evitadas "algemas, caixas de vidro, gaiolas ou imobilizadores de pernas" sempre que se apresentem em público.

Estas e outras regras constam de uma diretiva do Parlamento Europeu de 9 de março deste ano, publicada no Jornal Oficial da União Europeia e que Portugal terá de acatar até 2018.

Recuemos até julho de 2011 quando um condutor foi abordado por um carro patrulha da GNR, em Oliveira de Azeméis, para realização do teste de álcool. Tendo-se recusado a fazer esse mesmo teste, o homem de 70 anos acabou por ser levado para a esquadra algemado e assim ficou durante mais de três horas, sentado numa cadeira, mesmo depois de pedir que lhe tirassem as algemas. O condutor acabou por fazer queixa-crime do militar da GNR cuja pronúncia para julgamento foi conhecida em dezembro passado.

O objetivo do diploma europeu serve para estas e outras situações que possam ocorrer nos países da UE. Com o objetivo claro de reforçar o princípio de presunção de inocência consagrado constitucionalmente (artigo 32º) e "estabelecer normas comuns sobre a proteção dos direitos processuais dos suspeitos e arguidos e reforçar a confiança nos sistemas de justiça penal entre os Estados-membros". A diretiva faz ainda um alerta às próprias autoridades responsáveis pela investigação (polícias e Ministério Público): "ao prestarem informações aos meios de comunicação social, as autoridades públicas não podem apresentar o suspeito ou o arguido como culpado enquanto a sua culpa não tiver sido provada", explica o diploma, a que o DN teve acesso. Assim sendo, "os países deverão informar as autoridades públicas de que é importante ter em conta a presunção de inocência aquando do fornecimento ou da divulgação de informações aos meios de comunicação", alerta o Parlamento. O DN questionou o gabinete da Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal - a titular da investigação criminal - sobre o conteúdo desta diretiva. "A Procuradoria-Geral da República dará o seu parecer sobre a diretiva, e consequências da sua aplicação, no âmbito do procedimento de transposição, o qual deverá ter lugar até ao dia 1 de abril de 2018".

O advogado Rui Patrício admite que esta diretiva "tem um valor simbólico e ideológico sobretudo num tempo em que o processo penal está privado de verdadeira e funda reflexão ideológica, preso que está da espuma dos dias e do fungagá mediático e emocional e da sua dimensão de entertainment catártico". O direito que os arguidos têm de não prestar declarações - direito de guardar silêncio e de não se autoincriminar - também não pode ser usado contra o suspeito, dizem as instâncias europeias. Rui Patrício considera que, neste ponto, Portugal terá de reconsiderar as suas práticas: "O modo como, em certos casos e quanto a medidas de coação, se usa o silêncio ou a não colaboração do arguido para fundamentar medidas como a prisão preventiva, não constitui violação disto? E, no reverso da medalha, o modo como se usa a colaboração para desagravar as medidas...?", critica. O advogado de António Figueiredo - arguido no processo que investiga alegadas irregularidades nos vistos gold - admite ainda: "não é a inércia da investigação e do combate às violações ao segredo de justiça também uma violação da presunção de inocência? Violação pois a criação de um clima público num determinado sentido pode, indiscutivelmente, ter influência no processo".

Fonte: Diário de Notícias