Internados compulsivamente muitas vezes ficam sem acompanhamento após alta

Comissão vai criar base de dados online para que médicos registem episódios e façam o seguimento dos pacientes. Não há dados nacionais desde 2007.

Há pessoas com problemas de saúde mental que depois de terem sido internadas compulsivamente recebem alta e ficam sem qualquer acompanhamento, correndo o perigo de descompensarem, afirma Jorge Costa Santos, presidente da Comissão para Acompanhamento da Execução do Regime de Internamento Compulsivo, uma estrutura que voltou a funcionar no ano passado depois de seis anos de vazio.



A Lei de Saúde Mental prevê, desde 1998, que o internamento compulsivo de doentes mentais se faça de acordo com um conjunto de regras que têm de ser validadas pelos tribunais. Podem requerer o internamento médicos “no exercício das suas funções”, “autoridades de Saúde” e o Ministério Público. Tem de estar em causa “uma situação de perigo”.

A mesma lei prevê que deve existir uma comissão para receber as reclamações das pessoas internadas compulsivamente, visitar os hospitais e comunicar com os internados, solicitar ao Ministério Público a correcção de situações de violação da lei e recolher de dados sobre a sua aplicação. A ausência desta estrutura durante seis anos mereceu aliás a Portugal duas chamadas por parte do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes do Conselho da Europa.

Em funções há cerca de um ano, o presidente da comissão de nove membros, Jorge Costa Santos, diz: “a percepção que temos é que há um número significativo de pacientes com alta de internamento compulsivo que ficam sem acompanhamento, o que nos preocupa”. O médico, professor de Psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, diz que alguns destes doentes, muitos sem rede familiar, “perdem-se na comunidade. Têm alta, deixam de tomar a medicação e descompensam”. Depois, o que muitas vezes acontece é que “ou têm comportamentos que levam as autoridades policiais a agir com vista ao reinternamento ou ficam entregues a si mesmos, em sofrimento, sem qualquer tipo de apoio terapêutico”.

Não existem dados nacionais sobre o número de pessoas que são internadas compulsivamente desde 2007. Por isso, o médico informa que a comissão decidiu criar uma nova base de dados online onde os médicos deverão introduzir estes episódios, que deverá avançar no início do próximo semestre.

Além do registo do internamento, o objectivo é também fazer o acompanhamento do doente ao longo do seu processo terapêutico após o internamento, por exemplo, registando passagens para internamento compulsivo em ambulatório (fora do hospital), seguimento numa unidade de saúde mental na área de residência. “Há situações que temos de escrutinar. As pessoas com internamento compulsivo têm de ser sinalizadas para consulta das suas áreas de residência, sob pena de descompensarem”.

Desde que a comissão entrou em funções receberam apenas uma reclamação de um doente e fizeram uma visita de carácter inspectivo, com entrevistas aleatórias a doentes e a médicos, ao Centro Hospital Psiquiátrico de Lisboa. “Não encontrámos nada de especialmente gritante”. As reclamações podem ser feitas para o email comissaointernamentocompulsivo@dgs.pt.

No passado a comissão esteve por nomear por problemas associados a ajudas de custos, esclareceu em tempos o director do Programa Nacional para a Saúde Mental, Álvaro de Carvalho. Jorge Costa Santos diz que o funcionamento da actual comissão continua a estar muito fragilizado pela dificuldade de fazer face às despesas de deslocação de membros que têm de vir de todo o país para estarem presentes nas reuniões da comissão na Direcção-Geral de Saúde, em Lisboa.

No último ano em que há dados a nível nacional, em 2007, os internamentos compulsivos representavam quase 10% das admissões de doentes em psiquiatria (1911 em 19.356).


Fonte: Público