Principal arguido dos vistos gold está privado de liberdade há um ano

Contagem de prazos judiciais não é pacífica e a sua violação não tem consequências. Ministério Público ainda não apresentou acusação.

Faz esta sexta-feira precisamente um ano que foram detidos para prestar declarações vários implicados no processo dos vistos dourados. Tratando-se de um processo de especial complexidade, o Ministério Público tinha 12 meses para deduzir acusação contra os arguidos, sob pena de o processo deixar de estar em segredo de justiça e de terem de ser libertados todos os que ainda estivessem presos preventivamente por suspeitas dos crimes de corrupção, tráfico de influências, abuso de poder e peculato.



Mas nem a acusação foi ainda proferida, como o PÚBLICO confirmou esta sexta-feira junto do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, nem o único arguido privado de liberdade foi solto. Considerado uma figura central em todo o processo, o antigo presidente do Instituto de Registos e Notariado, António Figueiredo, continua em prisão domiciliária, depois de ter estado perto de um ano na cadeia. No cerne da questão está a contagem de prazos judiciais, um aspecto em que os juristas se desentendem entre si com alguma facilidade. Detidos a 13 de Novembro de 2013 para prestar declarações às autoridades, a 11 dos arguidos só foi, porém, decretada prisão preventiva pelo juiz Carlos Alexandre cinco dias depois. Todos eles foram entretanto postos em liberdade, à excepção do antigo dirigente do Instituto de Registos de Notariado.

Não é totalmente líquido se esses cinco dias de detenção que antecederam a sua ida para a cadeia, ordenada por os investigadores do caso temerem que fugisse e destruísse provas, contam ou não para o fim do prazo máximo de um ano de prisão preventiva. Nem todos os tribunais se têm pronunciado da mesma forma em casos deste género. Mas a maioria tem tido uma posição que, sendo formalista, peca por injusta para com quem ainda não foi julgado, considera o antigo bastonário dos advogados, Rogério Alves: ao fazerem distinção entre estar detido e estar preso, permitem que o arguido esteja privado de liberdade mais alguns dias do que a lei prevê. “Neste aspecto, a letra da lei fere um pouco a Constituição”, critica Rogério Alves, admitindo, contudo, que os lesados pouco ou nada podem fazer quanto a isso. "Podem pedir uma indemnização, mas o mais certo é não lhes ser dada razão. A lei é injusta, mas é a lei”. Questionado sobre a questão, o advogado deste arguido dos vistos gold, Rui Patrício, não quis comentar o problema.

Pela contagem de prazos mais dilatada, o Ministério Público tem, assim, até ao próximo dia 18 para deduzir acusação. Mas se não o fizer nada acontece ao processo. Já sucedeu de resto o mesmo em muitos outros casos. Neste caso, contudo, a haveria uma consequência colateral: a prisão domiciária de António Figueiredo caducaria por ter excedido o prazo.

Na Operação Furacão, por exemplo, a chamada fase de inquérito durou nove anos, recorda o antigo bastonário. Bastou ao procurador que tinha o caso em mãos avisar o seu superior hierárquico de que precisava de mais tempo.

Na teia de tráfico de influências envolvendo altos funcionários do Estado do caso dos vistos gold, o Ministério Público acredita que o antigo ministro da Administração Interna Miguel Macedo se valeu das funções governativas que exercia para favorecer os interesses de empresários seus amigos. Do rol de arguidos faz parte o ex-director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras Jarmela Palos que terá facilitado a emissão de vistos dourados. Quanto ao único arguido que continua privado de liberdade, o acesso privilegiado que tinha aos registos prediais dar-lhe ia vantagens nos negócios imobiliários paralelos à concessão de vistos dourados que mantinha, através de uma filha. Quando foi detido teria na sua posse oito telemóveis.

A chamada Operação Labirinto inclui ainda suspeitas de fuga ao fisco: um empresário amigo de Miguel Macedo terá conseguido furtar-se ao pagamento de um milhão de euros de IVA num negócio com o Ministério da Saúde líbio. O gabinete do ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Paulo Núncio chegou por isso a ser alvo de buscas.


Fonte: Público