Juízes validam cobranças de dívidas feitas por empresas privadas

Num acórdão inédito da Relação de Lisboa, os magistrados contrariam a lei dos atos próprios dos advogados.

O Tribunal da Relação de Lisboa considera que uma empresa privada de cobrança de dívidas é lícita, pode atuar no mercado e que, ao fazê-lo, não pratica o crime de procuradoria ilícita. Numa decisão inédita datada de 18 de setembro, a que o DN teve acesso, os juízes contrariam assim a lei dos atos próprios dos advogados que prevê que quem pode fazer a cobrança de créditos é o próprio credor, os advogados ou solicitadores (agentes de execução).
Porém, o acórdão mostra um entendimento contrário, anulando a decisão da primeira instância que condenava dois arguidos representantes de uma empresa de cobrança de Cascais pelo crime de procuradoria ilícita e ainda ao pagamento de 1500 euros (cada arguido) à Ordem dos Advogados (OA). Nesta decisão - que cria jurisprudência para o futuro -, os magistrados consideraram que como neste caso concreto não chegou a haver uma efetiva cobrança e apenas uma negociação da mesma, não se está perante uma ilegalidade. O crime de procuradoria ilícita consiste na prática ou no auxílio a atos exclusivos de advogados e solicitadores feitos por outros profissionais, sendo punível com prisão até um ano ou multa até 120 dias.
O acórdão vai ainda mais longe ao admitir que se "o Instituto de Registos e Notariado autoriza a existência destas empresas, cujo objeto incluiu a atividade de gestão e cobrança, permite criar nos respetivos profissionais a confiança no exercício de uma atividade devidamente lícita".
Decisão essa que já levou a uma reação por parte da Ordem. Segundo o presidente do Conselho Distrital de Lisboa da OA, António Jaime Martins, esta é "profundamente infeliz. Dizer que uma interpelação para pagamento duma dívida não se enquadra no conceito de negociação é um completo non sense jurídico. Então uma negociação inicia-se com o quê? É uma conclusão incompreensível para um tribunal de recurso, pois contraria as mais básicas regras de experiência e do senso comum". O dirigente lamenta "que seja o judiciário a contribuir para a degradação da justiça, para a insegurança do tráfego jurídico e para a diminuição das garantias dos cidadãos e das empresas, abrindo o ato próprio de um advogado a estes cobradores ilícitos, sem qualquer código de conduta, que recorrem a técnicas pouco ortodoxas de cobrança, procurando muitas das vezes cobrar dívidas inexistentes e fazendo-se muitos deles até passar por agentes da justiça".


Fonte: Diário de Notícias