Conselho de Ministros aprovou estratégia de protecção do idoso

Abandono de idosos só poderá ser criminalizado na próxima legislatura.

O Conselho de Ministros aprovou nesta quinta-feira a estratégia de protecção do idoso, no qual se prevê que o abandono dos mais velhos se torne crime punível por lei.

Com a Assembleia da República já em férias, o estatuto do idoso, como lhe tem chamado ao longo do seu mandato a ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz, apenas foi, porém, consagrado em formato de resolução do Conselho de Ministros em vez de lei – o que reduz substancialmente o seu peso legal, uma vez que a criminalização do abandono implica alterações ao Código Penal que teriam de ser aprovadas pelos deputados. A questão fica assim em banho-maria até à próxima legislatura, altura em que os deputados se poderão vir a pronunciar sobre o tema.

O Governo aprovou assim a seguinte estratégia orientadora:
"A Estratégia (de Proteção ao Idoso) visa reforçar o reconhecimento dos direitos de que os idosos são titulares, sendo enunciadas as linhas orientadoras de revisão dos diplomas que regulam aspetos conexos com os direitos dos idosos, designadamente o regime civil do suprimento das incapacidades.

Nesse sentido, pretende-se enunciar de forma expressa e clara os direitos dos idosos, o que representa a assunção de um conjunto de princípios orientadores na interpretação e aplicação das normas legais, bem como no desenvolvimento de políticas adequadas à proteção dos direitos dos idosos."

A resolução discutida pelos ministros sugere que quem tenha um idoso a seu cargo e o abandone num hospital ou noutro estabelecimento de prestação de cuidados de saúde passe a responder criminalmente. É sugerido ainda que injuriar ou difamar alguém especialmente vulnerável, gestantes incluídas, passa a ser uma agravante: “Constitui circunstância agravante dos crimes de injúria e difamação ser a actuação dirigida a pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez”.

Paula Teixeira da Cruz quer ainda ver alterado o regime legal aplicável às pessoas consideradas incapazes do exercício pleno dos seus direitos por motivo de doença, o que implica uma revisão ao Código Civil que também só poderá ir por diante depois de eleito um novo Parlamento. Uma das ideias é tornar nulos os testamentos dos idosos internados em lares quando sejam feitos a favor dos prestadores de cuidados, e desde que os proprietários dos bens “se encontrem em situação de incapacidade, ainda que não tenha sido decretada qualquer medida de salvaguarda de direitos” dos próprios.

Aponta-se também no sentido de poder constituir crime “lavrar acto notarial que envolva pessoa idosa que se encontre notoriamente limitada ou alterada nas suas funções mentais, em termos que impossibilitem a tomada de decisões de forma autónoma ou esclarecida, sem que esteja assegurada a sua representação legal”.

No capítulo da protecção dos incapazes, a ministra da Justiça quer limitar a procriação medicamente assistida a quem tenha pelo menos 18 anos e não se encontre sujeito a representação legal por parte de outrém, “por limitação ou alteração das funções mentais”.

A criminalização do abandono dos idosos não é uma questão pacífica. Em 2013, o sociólogo Manuel Villaverde Cabral criticava o Estado por querer, nesta matéria, "legislar no domínio dos afectos": "O Estado está a meter-se num terreno minado que é o de legislar no domínio dos afectos, afectos esses que, de uma forma geral, funcionam no sentido esperado. Assim como os meus pais cuidaram de mim, eu sinto-me obrigado a cuidar deles se puder, se estiver presente, se não tiver desaparecido, se tiver boas relações de afecto. Há pais que podem não querer ser ajudados pelos filhos”, argumentava.

Fonte: Público