Ainda falta saber quem pagará as indemnizações do BES após a venda do Novo Banco

José Miguel Júdice acredita que o Novo Banco só será comprado se o Governo garantir eventuais indemnizações, logo a resolução do BES ainda "pode custar muitos milhões aos contribuintes".

José Miguel Júdice e a deputada do BE Mariana Mortágua acreditam que os contribuintes vão pagar. Nuno Melo, do CDS-PP, contrapõe que o prejuízo podia ser muito maior.

Um ano depois e apesar do muito que foi dito e escrito sobre o descalabro do BES, designadamente na comissão de inquérito parlamentar, José Miguel Júdice, sócio da PLMJ, acredita que "é ainda difícil saber tudo sobre o que realmente aconteceu" no banco liderado por Ricardo Salgado. O que não significa que não esteja convicto que a atuação do Banco de Portugal (BdP), em agosto de 2014, foi pautada "pelo pânico" e que tudo isto vai, ainda, custar muito dinheiro aos contribuintes.
"Não estou a referir-me a eventuais ilícios criminais ou atos eticamente reprováveis, que serão avaliados e julgados pelas entidades competentes. Refiro-me só à atuação do regulador, que tinha a obrigação de ter percebido, muito mais cedo, o que se passava. E se não atuou antes porque entendeu que havia razões para não criar ruturas que poderiam acarretar sérios riscos, então, agosto também não era o melhor momento", afirmou o advogado em declarações ao Dinheiro Vivo, sublinhando que o Banco de Portugal "interveio ou cedo demais ou demasiado tarde".
José Miguel Júdice não tem dúvida que a atuação da instituição liderada por Carlos Costa foi "errada no seu timing". Até porque acontece "logo a seguir às autoridades de regulação terem autorizado um aumento de capital" no BES."Uma intervenção em 2013 seria, provavelmente, muito melhor. Ou uma solução alternativa em 2014. O Estado tivera e tinha ao seu alcance instrumentos jurídicos, como os CoCos e outros, para intervir nos bancos. E não precisava que o pedido partisse das instituições, bastava detetar os riscos", diz. O advogado recusa acreditar que não houvesse forma do BdP - que tinha muitas pessoas dentro do BES e possui poderes de inquirir e averiguar - perceber o que se passava no BES. "Importantes acionistas do banco pediram, durante meses, que se atuasse. Se o Estado tivesse optado pela intervenção, teria nomeado um administrador, como fez ou podia fazer no BPI, no Banif e no Millenium, em vez de deixar os membros da família Espírito Santo, segundo parece, com corda larga para fazerem o que agora lhes censura".
Júdice lamenta que Portugal tenha uma "tendência quase suicidária" de servir "de vacina" para a UE. "Tivemos a honra de testar um modelo ainda não totalmente estruturado para lidar com bancos em crise", ironiza. A questão é saber "qual o preço a pagar pelos contribuintes". Uma coisa é certa. Não será quando for vendido o Novo Banco que se poderá avaliar a bondade, ou não, desta solução, mas muito mais tarde, quando, finalmente, saírem as sentenças dos muitos processos colocados em tribunal contra o Estado, o BdP e o Novo Banco: "Um dia que um tribunal venha a condenar o Novo Banco a pagar dezenas ou centenas de milhões de euros para indemnizar os investidores e os clientes, vai ser o Estado a pagar. Só é possível que alguém compre o Novo Banco com essas garantias".
Júdice recusa pronunciar-se sobre a solução para os lesados do papel comercial: "O tratamento tem de ser igual para todos. Não consigo entender o racional jurídico doutra opção. Não estou a falar de questões sociais, mas jurídicas".

A deputada do Bloco de Esquerda (BE)Mariana Mortágua não tem dúvidas de que "a intervenção no BES vai ter custos para os contribuintes", ao contrário do que garantiram o primeiro-ministro e o Ministério das Finanças.
"Todas as avaliações que há do Novo Banco [banco bom] dizem que será vendido por um valor inferior ao injetado no fundo de resolução [4,9 mil milhões de euros]. Parte do valor que derem pelo banco será para a sua recapitalização e o encaixe para o fundo de resolução será inferior ao que foi injetado", afirm Mariana Mortágua.
Por outro lado, acrescenta a deputada do BE, "já percebemos - e, aliás, já foi dito pelos vários intervenientes na banca - que o sistema bancário não está disposto a pagar ao fundo de resolução a totalidade do empréstimo. As notícias que já temos falam numa reestruturação dessa dívida a 20 anos, o que na prática significa um corte na dívida, se é que alguma vez vai ser paga pelo sistema bancário". Além disso, "há todos os riscos de litigância contra o Novo Banco, que ficarão necessariamente na parte pública e não na parte que for vendida", adverte.
Há, assim, segundo Mariana Mortágua, "muitos riscos e muitos indícios de que esta será uma solução com custos elevados para os contribuintes".
Mas a deputada do Bloco vai mais longe. "Não conseguimos compreender a própria ideia - e sempre nos opusemos a ela - da venda do Novo banco e o seu retorno ao mercado, porque sistematicamente o Estado o que faz é pegar em instituições bancárias, limpá-las e arcar com parte dos prejuízos, devolvendo-as ao mercado para que volte a fazer com elas exatamente o que fez no passado", afirmou, acusando o Estado de estar a tratar o problema unicamente ao nível institucional.
"Não estamos a resolver estruturalmente nenhum problema, mas apenas a limpar todo o lixo e todos os maus investimentos e instabilidade criada pelos mercados financeiros, e, sobretudo, o Estado não previne desastres futuros", explicou.
Na sua opinião, a solução passaria por separar ativos bons e maus, tendo os acionistas que arcar com os prejuízos, como foi feito, mas "tem que haver uma forma de o Estado poder apropriar-se de bens e património do grupo, que faliu, para compensar os prejuízos que terá a salvar o Novo Banco, e tal não foi feito, como também não foi no BPN".
Lembra também que há ainda por contabilizar prejuízos em benefícios fiscais concedidos ao Novo Banco e que no futuro " custarão vários milhões de euros em perda de receita fiscal".

Já o eurodeputado Nuno Melo, do CDS, considera que a opção tomada é a que menos custos traz para o contribuite e exemplifica com o caso do BPN, que "teve um custo para os contribuintes para lá de todas as estimativas do Banco de Portugal, ao tempo em que era governador Vítor Constâncio, e do governo, então de José Sócrates".
Isto não invalida, porém, que em relação ao BES não devamos reconhecer que há aspectos que merecem ponderação e resposta", ressalva, referindo-se aos "lesados, que foram induzidos em erro quando optaram por investimentos que pensavam bons". Mas acredita que isso ainda possa ser resolvido.
Recusa, no entanto, avançar o que acontecerá se a privatização do Novo Banco não for suficiente para cobrir o que o Estado colocou no fundo de resolução: "Se vamos especular, tanto podemos fazê-lo num sentido, como noutro", justifica. E insiste que, ao contrário do BPN, no BES acautelou-se uma solução que poderá, em tese, permitir que esse custo para os contribuintes não aconteça, enquanto com a nacionalização do BPN "esse custo era inevitável".
Admite que em relação ao BES "vamos ter que esperar para ver", mas diz que caso haja prejuízos para os contribuintes estes serão incomensuravelmente inferiores, dadas as dimensões das duas instituições. "Se se tivesse optado para o BES por uma solução igual à do BPN, tendo em conta a diferença de dimensão dos dois bancos, estaríamos a falar de um prejuízo muitíssimo maior, portanto esta solução acaba por ser a melhor", conclui.

Fonte: Dinheiro Vivo