No ano passado 180 pessoas cumpriram pena de prisão em casa

Mais de 500 condenados a penas de curta duração beneficiaram já desta solução prevista na lei desde 2007.

Em 2014, houve 180 pessoas a cumprir a pena de prisão em casa, com vigilância electrónica, segundo o relatório anual dos serviços de reinserção social, actualmente integrados na Direcção-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais. Este tipo de pena substitutiva foi introduzida na lei penal em 2007 e tem sido cada vez mais aplicada. Só no ano passado os serviços de reinserção social, responsáveis pela gestão da vigilância electrónica, receberam 109 novos pedidos no âmbito do chamado “regime de permanência na habitação”.

Esta possibilidade existe para os casos em que o juiz aplica uma pena de prisão não superior a um ano, podendo ser alargada a penas inferiores a dois anos quando “se verifiquem, à data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional”. A lei especifica várias situações destas, como a gravidez, a idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos ou a existência de menores a cargo.

O subdirector da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), Licinio Lima, adianta que 67 pessoas cumprem actualmente pena de prisão na habitação. “O número é muito baixo e isso tem a ver também com a lei que admite essa possibilidade a quem for condenado a pena igual ou inferior a um ano”, refere. E lamenta que haja “muita gente na prisão que não tem historial de crime, mas que está presa por não pagar as multas ou porque foi apanhada mais do que uma vez a conduzir sem habilitação legal”.

O responsável salienta que estas pessoas “não são intrinsecamente criminosas, mas correm o risco de se especializarem na prisão”. A DGRSP, adiantou, tem pronta uma proposta para que a pena de prisão na habitação seja alargada a indivíduos com penas até dois anos e com possibilidade de frequentar actividades e programas fora de casa.

O relatório, a que o PÚBLICO teve acesso, não especifica os tipos de crimes em que esta pena foi aplicada, mas o professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto André Leite, que está a fazer o doutoramento sobre este tema, exemplifica alguns: crimes rodoviários, pequenos furtos e ofensas à integridade física. “As penas substitutivas da prisão pretendem evitar o contacto com o meio prisional, porque desde o século XIX que se sabe que esse contacto é criminógeno”, explica.

A saída do condenado da habitação pode fazer-se por motivos de saúde ou por outras razões fixadas pelo juiz. André Leite considera excessiva a discricionariedade dada aos juízes nestes casos e defende que a lei deveria estabelecer alguns critérios, que tornassem mais uniforme a aplicação destas excepções. “A lei dá uma grande margem aos juízes, que pode resultar em violações do princípio da igualdade”, alerta o docente. Entre as vantagens da prisão em casa André Leite destaca o custo mais reduzido para o Estado, “um terço do do encarceramento”, e a reduzida taxa de incumprimento.

Estatísticas da Direcção-Geral da Política de Justiça mostram que, entre 2007 e 2013, a prisão na habitação foi aplicada 513 vezes, sendo 2012 o ano em que os juízes mais recorreram (115 casos) a este regime.

O programa eleitoral do PS para as legislativas de Outubro prevê a inclusão na lei da “pena contínua de prisão na habitação com vigilância electrónica, nos casos judicialmente determinados, com, eventual, possibilidade de saída para trabalhar”. A proposta parece ignorar a alteração ao Código Penal feita em 2007, quando era primeiro-ministro o socialista José Sócrates. Questionado pelo PÚBLICO, Luís Goes Pinheiro, do Gabinete de Estudos do PS, admitiu que o “português da proposta poderá não ter sido o melhor”, mas que a “tónica é a lei passar a ser mais determinativa quanto à possibilidade de saídas para trabalho, porque há muitos juízes que não estão a deixar que isso suceda”. Assumiu, contudo, não ter números sobre esses casos.

O relatório dos serviços reinserção informa que, no ano passado, subiu 33% o recurso às pulseiras electrónicas para fiscalizar a proibição de contactos associados à violência doméstica. Em 2014, registaram-se 327 pedidos, contra 245 no ano anterior. Licínio Lima justifica a subida com o facto de a “sociedade portuguesa se mostrar muito sensível ao crime de violência doméstica”. O subdirector destacou ainda que, além dos 590 reclusos que actualmente estão nas cadeias por crimes neste contexto, “cerca de 600 estão integrados em programas psico-educacionais”.

O documento revela ainda que, em 2014, 116 jovens estiveram em lista de espera para cumprirem uma medida de internamento num centro educativo. O principal motivo terá sido o encerramento do Centro Educativo de Santa Clara, em Vila do Conde, que possuía uma lotação de 48 lugares, o que fez diminuir o número total de vagas nestes centros que procuram reintegrar menores que cometeram ilícitos criminais. Actualmente, de acordo com o responsável da DGRSP, nenhum menor aguarda vaga para entrar num centro educativo, mas tal aconteceu “no passado, nomeadamente no primeiro semestre de 2014”.

Licinio Lima mostra-se ainda preocupado com a redução do número de técnicos de reinserção social, frisando que, “neste momento, é enorme a pressão sobre os técnicos” e que “muitos juízes queixam-se dos atrasos aos seus pedidos de relatórios”. O relatório mostra que em 2014 a actividade dos serviços de reinserção social diminuiu 11,7%. Contudo, a análise entre 2010 e 2014 revela uma tendência oposta: a actividade destes profissionais aumentou quase 25%. Isto, apesar de no mesmo período o número de técnicos ter diminuído 11%.

O responsável considerou que “o grande problema”, actualmente, “prende-se com o facto de os técnicos gastarem mais tempo a elaborar relatórios de assessoria aos tribunais” do que a “acompanhar no terreno os arguidos e condenados”, como “agentes de reinserção social”. O subdirector realça serem necessários mais 180 técnicos, se se mantiver este modelo, mas também admite que seja necessário repensar esta realidade, para que os técnicos sejam “verdadeiros agentes de reinserção social”. Adianta que a DGRSP está a preparar uma informação sobre este assunto que enviará ao Ministério da Justiça.


Fonte: Público