Novas multas ambientais dificultam e facilitam a vida aos poluidores

Proposta do Governo aumenta as coimas em 14 casos, mantém em quatro e reduz em seis. Aperta-se cerco aos grandes infractores. Mas nalguns casos, o “arrependido” pode dar origem a menor penalização

Facilitar para quem peca pouco, endurecer para quem peca muito. Este será o possível resultado das alterações ao regime de contra-ordenações ambientais que o Governo apresentou recentemente à Assembleia da República.

Numa proposta com 29 páginas, o Governo condensa inúmeras modificações à lei actual, com novidades que procuram resolver o crónico insucesso dos processos de contra-ordenação nos tribunais — onde metade fica pelo caminho —, apertar o cerco aos grandes infractores e relaxar a veia recriminadora da administração em casos de menor significado.

De todas as situações previstas na lei, as multas ambientais aumentam em 14 casos, permanecem as mesmas em quatro e são reduzidas em seis. O resultado é um grande aumento na latitude entre as maiores e menores coimas, uma das alterações que mais sobressaem da proposta do Governo.

O exemplo mais expressivo está nas coimas por contra-ordenações muito graves feitas por pessoas singulares. A mínima, para infracções por negligência, desce 50%, de 20.000 euros para 10.000 euros. Mas a máxima, no caso de dolo, aumenta mais de cinco vezes, de 37.500 para 200.000 euros. Antes havia um intervalo de 17.500 euros entre o menor e o maior valor. Se a proposta do Governo for aprovada pelo Parlamento, será 11 vezes mais amplo, de 190.000 euros.

Para as pessoas colectivas, as coimas por contra-ordenações graves também terão uma amplitude seis vez mais larga. A mínima baixa de 15.000 para 12.000 euros e a máxima sobe de 48.000 para 216.000 euros.

“Nas contra-ordenações ambientais pode haver situações muito diferentes. Com a nossa proposta, aumentámos a flexibilidade da decisão”, justifica Nuno Banza, inspector-geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território.

Em termos absolutos, a maior diferença entre as coimas está nas contra-ordenações muito graves para pessoas colectivas. O valor mínimo cai de 38.500 euros para 24.000 euros. Mas o máximo sobe de 2.500.000 para 5.000.000 de euros.

Multas mais elevadas são raras
Tais valores estão longe dos que têm vindo a ser aplicados na prática. Entre os casos mais significativos de uma lista enviada ao PÚBLICO pela Inspecção-Geral da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT), figuram apenas dois com coimas de mais de 100.000 euros. À empresa de gestão de resíduos Reciprémio, das Caldas da Rainha, foi aplicada uma multa de 220.000 euros em 2011, por uma infracção muito grave (descarga de águas residuais sem licença) e três graves, relacionadas com sucatas. E no ano passado, a gráfica Mirandela, de Lisboa, apanhou com 210.000 euros por operar sem licença ambiental (infracção muito grave) e não monitorizar as emissões das suas chaminés (infracção grave).

As outras contra-ordenações situam-se entre 32.000 e 92.000 euros. Em todo o ano de 2014, a IGAMAOT cobrou efectivamente um total de 2,4 milhões de euros em coimas — metade do valor máximo que agora o Governo quer para as multas ambientais.

A proposta de lei mantém a possibilidade de se duplicar a coima das infracções muito graves, em situações que envolvam substâncias perigosas que afectem a saúde e o ambiente. Na prática, a maior multa ambiental possível na lei passa a ser de dez milhões de euros.

O Governo também propõe, no entanto, o contrário: reduzir as coimas a metade, em casos especiais. O texto aprovado em Conselho de Ministros e entregue ao Parlamento cita situações como “ter havido actos demonstrativos de arrependimento do agente” ou “terem decorrido dois anos sobre a prática da contra-ordenação, mantendo o agente boa conduta”.

Outra figura que flexibiliza as punições é a possibilidade de o infractor ser sujeito a uma simples advertência, ao invés de uma multa. O texto da proposta fixa três condições cumulativas para que tal aconteça: tratar-se de uma infracção leve, não ter havido uma advertência anterior sobre o mesmo caso nos últimos três anos e não existir nenhuma condenação por infracção grave ou muito grave nos últimos cinco anos.

A advertência implica que a infracção deve ser corrigida num determinado prazo. Se assim for, o processo é arquivado.

“Não vale a pena complicar”
Nuno Banza afirma que casos simples podem ser mais eficazmente resolvidos desta forma, do que com morosos processos de contra-ordenação. “Não estamos a desonerar nada. Há de facto situações que não vale a pena complicar”, diz o inspector-geral.

Entre 2008 e 2013, apenas 5,5% das infracções ambientais referiam-se a contra-ordenações ambientais leves. Cerca de 37% correspondiam a infracções muito graves, 32% a graves e 26% a situações não classificadas.
O principal objectivo da proposta de revisão, segundo Nuno Banza, é tornar os processos de contra-ordenação mais eficientes e também aumentar o seu sucesso quando os casos vão para a justiça.

Quanto a isso, há razões com que se preocupar. Dos 465 processos resolvidos em tribunal desde o início de 2014, 49% foram absolvidos, arquivados, encerrados, declarados nulos ou prescreveram. Em apenas 18% dos casos os tribunais confirmaram as coimas aplicadas. Em 22% as multas foram reduzidas e em 13% foram convertidas em admoestações.

A proposta passa a conferir às autoridades 20 dias para recorrer destas decisões judiciais. Hoje, têm apenas dez dias e geralmente perdem o prazo. “Nunca recorríamos”, afirma Nuno Banza.

Também o Governo quer pôr sobre os infractores o ónus de apresentar as suas testemunhas em tribunal. Na lei actual, a notificação está a cargo de quem instaurava o processo de contra-ordenação.

Outra alteração pretende acabar com as demoras nas execuções judiciais de coimas não pagas. Agora, será a própria administração, e não os tribunais, a passar certidões de dívida, o documento necessário para iniciar o processo judicial.

A inovação que mais poderá apertar o cerco a quem não obedece às leis ambientais é a responsabilização directa dos administradores das empresas infractoras. Se uma empresa autuada abrir falência ou fechar ou não dispuser de dinheiro para pagar as coimas, a conta vai para o seus gestores. Nuno Banza afirma que o objectivo é não permitir que infractores que estejam a agir consciente e repetidamente contra a lei saiam ilesos dos processos de contra-ordenação. “Vão-nos ter à perna”, avisa o inspector-geral.

Municípios querem parte das coimas
Os municípios querem parte ou a totalidade do dinheiro das coimas ambientais, conforme o tipo de situação. No seu parecer à proposta de lei de revisão do regime das contra-ordenações ambientais, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) reivindica que 5% de todas as multas revertam para os concelhos onde ocorreu o dano ambiental.

E, nos casos em que sejam as câmaras municipais a instaurar os processos, então a totalidade das verbas arrecadadas com as coimas deveriam ficar com as autarquias, defende a ANMP.

A proposta do Governo classifica a violação dos planos territoriais também como infracções ambientais. Fazer construções, instalar depósitos de sucatas ou abrir pedreiras sem respeitar os planos directores municipais, por exemplo, são infracções “muito graves”, passíveis de coimas de 10.000 a 5.000.000 de euros.

Entre os partidos da oposição, apenas o PS por ora se manifestou sobre a proposta. “Não posso deixar de estranhar que só no final da legislatura venham com esta preocupação de rever a lei”, afirma o deputado socialista Pedro Farmhouse.

Medidas como a figura da advertência devem ser melhor explicadas, diz Farmhouse. E o alargamento da amplitude das coimas pode ter efeitos perversos. “Aumenta a margem discriminatória das autoridades administrativas”, diz o deputado.

O Partido Ecologista Os Verdes ainda não se debruçou sobre a lei. PCP e Bloco de Esquerda não responderam ao PÚBLICO.


Fonte: Público