Condutores com infracções graves no cadastro partem do zero na nova carta

Novo regime entra em vigor a 1 de Junho de 2016. Quem não cometer infracções durante três anos ganha três pontos, até um máximo de 15.

Todos os condutores, mesmo os que possuem infracções graves no actual cadastro, vão receber no novo sistema, que arranca a 1 de Junho do próximo ano, os mesmos 12 pontos. O novo regime entra nessa altura em vigor mas fisicamente as cartas de condução vão manter-se as mesmas, sem que os condutores tenham que realizar qualquer tipo de actualização. Durante algum tempo irão coexistir os dois regimes, mas para o actual apenas vão contar as infracções cometidas até 31 de Maio de 2016.

Se um condutor tiver duas contra-ordenações muito graves no cadastro e cometer mais uma até final de Maio do próximo ano ficará sem carta, mesmo que o processo seja decidido já na vigência do novo sistema. Mas se o mesmo condutor cometer uma infracção muito grave a 1 de Junho de 2016, as duas anteriores não vão ser consideradas no novo sistema. O condutor terá os mesmos 12 pontos que um condutor que não tinha qualquer infracção no cadastro. E perderá os pontos correspondentes apenas à infracção que cometeu no novo regime.

Estas regras foram aprovadas esta quinta-feira em Conselho de Ministros e representam um recuo face à primeira intenção do Governo, que pretendia que quem tivesse infracções no cadastro começasse com menos de 12 pontos. A mudança decorreu de uma sugestão de um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) que alertou para a inconstitucionalidade da proposta que queria que, se retirassem pontos, aos condutores que tinham cometido contra-ordenações graves ou muito graves nos três anos anteriores à entrada em vigor do regime por pontos.

“Essa disposição claramente viola o princípio da não retroactividade das normas sancionatórias, previsto no artigo 29 da Constituição”, lê-se no parecer a que o PÚBLICO teve acesso. A posição, reproduzida num parecer do Conselho Superior do Ministério Público, refere que a norma viola igualmente o direito constitucional de audiência e defesa no processo contra-ordenacional “na medida em que o infractor nunca salvaguardou a hipótese, no processo sancionatório, de ter de se defender da eventual futura aplicação de pontos”.

O secretário de Estado da Administração Interna, João Almeida, explica que os dois cadastros se vão manter em paralelo, mas um não acumula com o outro. “Os processos que estão em curso vão ser punidos pela lei que está actualmente em vigor. Não vamos limpar o cadastro”, afirma João Almeida.

Os 12 pontos que cada condutor receberá serão descontados à medida que este acumular infracções. Quem cometer uma contra-ordenação grave perde dois pontos, mas se for muito grave perde quatro. A condução sob influência do álcool ou substâncias psicotrópicas é mais penalizada: as situações consideradas graves subtraem três pontos, enquanto as muito graves fazem desaparecer cinco pontos. Sempre a descontar nos 12 pontos iniciais. E não podem ser retirados ao automobilista mais de seis pontos por cometerem contra-ordenações simultâneas – excepto se for apanhado com álcool em excesso ou com drogas.

Quando só lhe restarem quatro pontos, o condutor será obrigado a frequentar acções de formação de segurança rodoviária. Se atingir os dois pontos terá de repetir a prova teórica do exame de condução. Ao cumprir essas obrigações não ganha pontos, mas evitar ficar imediatamente sem carta.

Aos zero pontos fica sem carta e impedido de guiar durante dois anos. Só o poderá fazer a seguir, depois de realizar novo exame de condução e de frequentar também acções de formação. Os automobilistas passam a poder consultar o seu cadastro no novo portal das contra-ordenações.

O novo sistema inclui um regime de recuperação de pontos que premeia o bom comportamento (e não quem faz acções de formação, como acontece em Espanha). Assim, se o condutor não for apanhado em contra-ordenações graves ou muito graves nem a praticar crimes rodoviários durante três anos receberá três pontos extra, até a um máximo de 15. Já os condutores profissionais recuperam pontos logo ao fim de dois anos. As duas medidas foram sugeridas pela PGR.

A mudança é elogiada pelo presidente do Automóvel Clube de Portugal, Carlos Barbosa, que vê com agrado a chegada deste novo regime: “É o caminho que toda a Europa seguiu, e é um caminho equilibrado”. Só teme que o sistema possa ser desvirtuado por práticas fraudulentas, como, de resto, já sucedeu em Espanha, onde os pontos chegaram a ser vendidos: automobilistas com o cadastro limpo eram indicados pelos infractores como sendo quem ia ao volante no momento da infracção. Tudo era feito com a intermediação de empresas especialmente criadas para o efeito, explica Carlos Barbosa. Também Manuel João Ramos, da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados, teme o surgimento de esquemas deste tipo. Quanto ao sistema de pontos propriamente dito, acha-o coxo, por ter surgido de forma isolada, e não associado a medidas há muito preconizadas pelos governantes mas nunca implementadas, como a colocação de 140 novos radares nas estradas, as auditorias de segurança rodoviária ou a educação para a cidadania nesta área.


Fonte: Público