Fisco multa empresas por pagamentos em falta que não são devidos

Empresas de profissionais liberais passaram a pagar IRS. Mas fisco continua a exigir IRC e a multá-las. OTOC fala de má-fé.

Desde 2014, todas as sociedades que tenham até cinco sócios e 75% do capital ou proventos relativos a atividades catalogadas como liberais deixaram de poder enquadrar-se no regime do IRC, mais favorável, e foram forçadas a integrar-se no de "transparência fiscal", pagando IRS. Os efeitos desta alteração só serão contabilizáveis a partir da entrega das declarações de rendimentos relativas a 2014, este mês de maio, mas a administração tributária, de acordo com as informações recolhidas pelo DN, exigiu a estas sociedades pagamento por conta de IRC ao longo de 2014 e está a enviar notificação de coima às que o não fizeram. E mesmo quando estas reclamam, invocando a alteração do regime, continua a notificá-las para pagar.
"É como se a administração tributária estivesse a ignorar as novas regras que ela própria impõe." Hélder Paz é contabilista e foi surpreendido em março com notificações para pagamento de coima relativas a quatro clientes - todos os que, tendo empresas em que mais de 75% do capital e dos proventos corresponde a atividades liberais, passaram, por determinação legal de 2014, a integrar o regime de transparência fiscal, ou seja, a pagar IRS em vez de IRC.
"Em 2013, estas sociedades estavam no regime de IRC; a partir de 2014, estão no da transparência fiscal, portanto deixam de ser obrigadas ao pagamento por conta do IRC. Mas continuaram a receber as notificações para pagar, e claro, não pagaram. Agora vêm as multas." O que mais indigna Hélder Paz é que, mesmo depois de ter reclamado, no prazo de dez dias (findos os quais o processo passa para execução), e apresentado a justificação, recebeu nova notificação para pagamento de coima relativa a outro pagamento por conta não pago. "A primeira coima surge no início de março; reclamámos e eles voltam a mandar outra no fim do mês. Já acho pouco honesto enviarem a primeira, porque sabem que as empresas mudaram de regime, mas a segunda? E repare: se as pessoas se distraírem e deixarem passar os dez dias - corridos - da reclamação graciosa passa logo para a execução e pode ir até à penhora. E uma empresa que tenha uma dívida às finanças não pode concorrer a concursos ou pedir empréstimos no banco. Praticamente para tudo hoje em dia é preciso uma certidão de não dívida." Por outro lado, quem pagar por achar que tem de o fazer nunca verá o dinheiro de volta: "Isto é feito com o objetivo claro de fazer as pessoas pagar e nunca receberem de volta. Porque são 300 e tal euros de coima e gasta-se mais dinheiro em custas de tribunal. Como são valores baixinhos, as pessoas distraem-se e deixam passar." A ideia de que existe má-fé foi-lhe reiterada por uma funcionária de uma das repartições de finanças (três ao todo, sitas em Coimbra, Santiago do Cacém e Lisboa) que enviaram as notificações de coima aos seus quatro clientes: "Disse-me que têm instruções para solicitar os pagamentos e impor as coimas."


Fonte: Diário de Notícias