Observatório responde a urgência de prevenir violência contra as crianças

“A nossa ideia não é substituir nem competir com nenhuma instituição, mas desenvolver um trabalho de sensibilização”, diz Rui Pereira, ex-ministro da Administração Interna e presidente da associação constituída a partir de hoje.

A criação do Observatório da Criança “100 Violência” não foi motivada pelos casos de violência extrema contra crianças que aconteceram nas últimas semanas. A iniciativa existe há meses e a cerimónia de apresentação, esta quinta-feira na Assembleia da República, já estava marcada desde Outubro. Mas o observatório é lançado para responder a uma urgência. E essa urgência prende-se, também, com os casos recentes de violência na família – os homicídios de cônjuges e ex-cônjuges. E de crianças: o bebé de meses em Oeiras e a menina de dois anos em Loures.

“A criação do Observatório resulta em primeiro lugar de um diagnóstico acerca da criminalidade em Portugal. Hoje, a violência doméstica e, muito particularmente os crimes contra crianças, assumem uma enorme gravidade no nosso país”, diz Rui Pereira. O ex-ministro da Administração Interna preside ao observatório.

“Nos últimos tempos, temos ouvido histórias verdadeiramente dramáticas, de crianças que são vítimas de homicídios, de abusos sexuais ou de maus tratos, e é necessário mobilizar a sociedade portuguesa para prevenir esse fenómeno”, acrescenta Rui Pereira, professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política (ISCSP) e no Instituto Superior de Ciências Policiais e de Segurança Interna – os dois parceiros protocolares da associação. Outras parcerias vão permitir juntar as bases de dados das polícias e das comissões de protecção de crianças e jovens, por exemplo, com a investigação universitária.

“Quando um pai mata uma criança por ter sido deixado sozinho com ele, sendo verdade que tem problemas de alcoolismo, toxicodependência, que está desempregado e deprimido, falha o pai que não pode ser desculpado e deve ser severamente punido, e falha a sociedade. É preciso haver políticas públicas que previnam estes fenómenos mas é necessário que toda a sociedade se mobilize”, alerta Rui Pereira.

“É evidente que a resposta do direito penal, a resposta punitiva é importante. E muito se fez nos últimos anos para responder ao fenómeno. Hoje a violência doméstica é um crime público. Existe uma maior sensibilidade das pessoas relativamente à violência contra crianças. Mas é preciso adoptar políticas sociais integradas”, recomenda. E conclui: “A nossa ideia não é substituir nem competir com nenhum instituição, mas complementar, e sobretudo desenvolver um trabalho de sensibilização. A nossa pretensão é sensibilizar as pessoas, levar a que este fenómeno seja prevenido e, se possível, isso é o que desejaríamos, erradicá-lo.”

Sensibilizar e formar
Entre os oradores na conferência vão estar a procuradora Dulce Rocha, presidente executiva do Instituto de Apoio à Criança (IAC), Armando Leandro, presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR) e, entre outros, Gérard Greneron, secretário-geral do Conselho Europeu de Sindicatos de Polícia que em França lançou uma iniciativa para prevenir os crimes de pedofilia. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Gaspar, encerra os trabalhos, iniciados por Manuela Ramalho Eanes, presidente do IAC.

O objectivo do observatório será sensibilizar e formar profissionais, como juízes, para prevenir a violência contra as crianças quando há indícios e situações susceptíveis de uma retirada da família.

“As pessoas ficam muito chocadas quando uma criança é morta, mas o caso é esquecido rapidamente. Não há mobilização”, diz a socióloga e professora do ISCSP Carla Cruz. "Existe o risco de banalização ou de percepção de que esta violência extrema entrou numa normalização" pelo número de ocorrências, acrescenta. “A palavra certa é responsabilizar. Falta responsabilizar a sociedade”, levá-la a denunciar mais as situações, aponta Manuel Morais, agente da Unidade Especial da Polícia de Segurança Pública (PSP), licenciado em Antropologia, e vice-presidente do observatório. Ambos são membros fundadores do observatório.

É preciso divulgar estes crimes para sensibilizar, dizem. Mas atenção: “A divulgação poderá suscitar alguma imitação”, diz Manuel Morais, embora não esteja provado que seja mesmo assim, como já está, através de estudos nacionais e internacionais, no caso de outros comportamentos como os suicídios.

Os casos das duas crianças mortas, em Oeiras e em Loures, em que o pai e o padrasto são os suspeitos, são os mais presentes. Mas Carla Cruz lembra também o caso de uma mãe, a quem tinham sido retirados os filhos, de 12 e 13 anos, e que os matou, suicidando-se em seguida. Neste caso ocorrido em Janeiro de 2013, no Jamor, as crianças tinham sido entregues ao pai, por decisão judicial mas a entrega não foi imediata.

Muitas vezes, a violência contra as crianças advém da violência conjugal, esclarece Carla Cruz. Pode acontecer quando a criança toma o partido de um dos progenitores. Ou por outros motivos. A crise económica e social não explica tudo. Mas não se deve ignorar o desemprego. E essa é uma realidade em que o homem é mais afectado no sentido em que não lida bem com a situação.“O homem pode desenvolver alguma raiva contra a mulher, ou alguma revolta de ela assumir o papel que deveria ser o dele”, diz Carla Cruz. E conclui: “Em muitos casos, as crianças acabam por ser alvo da raiva que existe entre os pais."


Fonte: Público