Dívidas fiscais. Governo manda travar penhoras excessivas

Excessos da Autoridade Tributária são assumidos com mudanças das regras nas execuções fiscais.

O Governo emendou a mão na cobrança coerciva de impostos pelo Fisco. Estão a ser tomadas medidas dirigidas às penhoras de bens, algumas inusitadas, que têm vindo a ser noticiadas nos jornais. Há casas de famílias carenciadas leiloadas, alimentos de Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) confiscados e clientes de restaurantes obrigados a assumir responsabilidades pelas dívidas dos estabelecimentos onde apenas fizeram uma refeição.

Muitos procedimentos da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) foram automatizados, e a cegueira da máquina, bem como a desproporção das sanções face à dimensão dos incumprimentos, são críticas que ganham cada vez mais eco.

Sobretudo a venda de casas de habitação por causa de dívidas de impostos tem estado debaixo de fogo. Ao Expresso, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, garante que o leilão de casas de habitação é "residual", ou seja, em causa estarão sobretudo outro tipo de imóveis, como estabelecimentos comerciais, escritórios, garagens, terrenos para construção ou arrecadações.

Mesmo assim há mudanças. "Esta semana foram tomadas decisões no domínio da cobrança coerciva, estando em curso mudanças nos procedimentos e automatismos em matéria de penhora e/ou venda de bens", indica informação avançada por Paulo Núncio. São um acréscimo a outras 27 medidas de reforço das garantias dos contribuintes realizadas durante esta legislatura, sublinha o secretário de Estado.

No caso das penhoras de imóveis para habitação própria e permanente há novas regras. Os automatismos informáticos serão eliminados e a "marcação da venda dependerá sempre da análise criteriosa do órgão de execução fiscal". O princípio da proporcionalidade, garantindo que os bens penhorados são adequados ao valor da dívida, deverá ser a orientação na venda, frisa o Governo. Além disso, haverá uma reunião com o executado e caso este não compareça a AT desloca-se à habitação para se inteirar das condições do imóvel e verificar se esta é mesmo habitação própria e permanente - o mesmo acontecerá se a dívida não tiver sido paga ou legalmente suspensa volvidos 30 dias após a reunião. Está prevista ainda uma segunda reunião caso o processo não se resolva e só no fim destas diligências é que o chefe de finanças, sobretudo no caso de famílias carenciadas, pode colocar a possibilidade da insolvência do contribuinte em vez da venda do imóvel.

Outro caso mediático diz respeito aos clientes de restaurantes que foram notificados pelas Finanças para a penhora dos pagamentos futuros àquele estabelecimento, porque este tem dívidas fiscais. Foi dada ordem para "suspender de imediato o registo e emissão de pedidos de penhora para destinatários que são pessoas singulares". E os elementos do sistema e-fatura (o Fisco chegava aos clientes através das faturas com número de contribuinte) deixam de ser utilizados para a cobrança coerciva.

A penhora de bens perecíveis também muda: foram suspensas as penhoras de alimentos que constam em guias de transporte eletrónicas quando o destinatário são pessoas singulares ou IPSS.

Tem faltado bom senso
Nestas situações devia ter-se questionado "se as medidas adotadas para atingir o objetivo do combate à fraude e à evasão fiscais são, nas situações em concreto, proporcionais", diz Rogério M. Fernandes Ferreira, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de António Guterres. Porém, para o advogado, a AT é muitas vezes alvo de críticas "excessivas", a maior parte das vezes "injustamente e sem fundamento razoável". Frisa que o Fisco "tem hoje uma atuação muito mais ativa, o que justifica a eficiência que felizmente se lhe reconhece nalguns campos e que não existe noutros países com os quais não devemos querer ser comparados".

Há, no entanto, que supervisionar e controlar os automatismos "de forma racional", porque podem originar e potenciar erros", refere Carlos Loureiro, responsável pelo departamento de consultoria fiscal da Deloitte. Na sua opinião, "os fins não podem justificar todos os meios, embora se deva separar os excessos sistemáticos de erros ou omissões". Diz ainda que, a confirmarem-se estes casos, "tem havido excessos da máquina fiscal, com uma falta de proporcionalidade nas sanções aplicadas. Embora não se deva pactuar com as situações de fraude e de abuso fiscal, existem situações em que as medidas aplicadas, nomeadamente a penhora de bens e de rendimentos, são claramente excessivas".



O fiscalista da Deloitte conclui que "as máquinas (ainda) não substituem os homens. O bom senso e a razoabilidade são essenciais e parecem, por vezes, faltar".


Fonte: Expresso