Espanha vai propor à ONU um tribunal especial para crimes de terrorismo

Chefes da diplomacia de uma e da outra margem do Mediterrâneo estiveram pela primeira vez juntos desde 2008. “As-salamu alaykum”, disse a representante europeia da Política Externa.

A Espanha quer que as Nações Unidas criem um tribunal internacional especializado em crimes de terrorismo – um papel que poderia ser cumprido pelo Tribunal Penal Internacional não fosse o caso de “vários países importantes não aceitarem esta jurisdição”, incluindo os Estados Unidos, a China ou Israel. A ideia foi apresentada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros de Madrid, José Manuel García Margallo, à margem de um encontro que juntou em Barcelona representantes de quase 40 países para discutir o jihadismo e a imigração.

“É preciso um tribunal que seja aceitável e aceite por todos”, defendeu Margallo, num momento em que vários países da União Europeia (incluindo Portugal) aprovam novas leis de combate ao terrorismo, tendo em conta a quantidade de jovens europeus a caminho da jihad e na sequência dos atentados de Paris, em Janeiro, Copenhaga, em Fevereiro, ou Tunes, em Março.

Entre 5000 e 6000 voluntários europeus partiram para a Síria, disse a comissária europeia da Justiça, Vera Jourova, numa entrevista publicada esta segunda-feira pelo jornal francês Le Figaro. Jourova diz temer que estes valores “estejam altamente subestimados”. “Assistimos a um crescimento do radicalismo junto dos nossos jovens que são cada vez numerosos na adesão ao apelo jihadista a norte e a sul do Mediterrâneo”, afirmou em Barcelona a Alta Representante da UE para a Política Externa, Federica Mogherini.

“Os terroristas são um desafio para todos nós. E o mundo muçulmano é uma vítima como todas as outras”, disse o anfitrião deste encontro dedicado à Política Europeia de Vizinhança, o primeiro-ministro Mariano Rajoy. “Que ninguém se deixe enganar pela mentira dos que nos falam de uma luta do islão contra o Ocidente.”

“A mensagem que os europeus devem aprender para começar a restaurar um conhecimento intercultural importante para a prevenção de um conflito entre a Europa e o Oriente, declarou Mogherini, depois de desejar um “as-salamu alaykum” (“que a paz esteja convosco”) aos países do Sul.

Mogherini apelou a um reforço da cooperação, já que “todos se confrontam com uma situação frágil provocada por vários conflitos armados, nomeadamente na Síria e na Líbia”. Ora estes foram os dois grandes ausentes da cimeira. Bashar al-Assad deixou há muito de ser reconhecido como líder legítimo dos sírios, enquanto a Líbia tem dois governos rivais e é hoje cenário de vários conflitos que opõem milícias ou grupos que se dizem aliados da Al-Qaeda ou do autoproclamado Estado Islâmico.

Vinte anos depois do lançamento do chamado Processo de Barcelona, que visava uma maior democratização e desenvolvimento económico nos países da margem Sul, e sete anos depois da iniciativa União para o Mediterrâneo, lançada pelo então Presidente francês, Nicolas Sarkozy, há um entendimento geral de que estes processos falharam na concretização dos seus maiores objectivos e de que a política europeia para o Sul está desactualizada.

O encontro de Barcelona, onde estiveram enviados da Argélia, Marrocos, Tunísia, Líbano, Israel, Jordânia, Egipto e Autoridade Palestiniana, serviu também para começar a debater uma reforma mais profunda desta política, já exposta num documento especialmente crítico, publicado no início de Março pela Comissão Europeia, e promovido por Mogherini e pelo comissário para a Política de Vizinhança, Johannes Hahn.

O texto, revela o jornal espanhol El País, centra-se na ideia que a UE não pode tratar os vizinhos como um bloco homogéneo de nações e deveria ter uma abordagem mais pragmática, tendo em conta as particularidades e aspirações de cada um. Um dos pontos potencialmente controversos na margem Norte é aquele que questiona o princípio de condicionalidade, que hoje faz (em princípio) depender a colaboração europeia dos progressos democráticos alcançados por cada país.


Fonte: Público