Justiça limpa mais de 25 mil empresas fantasma dos ficheiros

Houve um pico de encerramentos administrativos em 2014, mas as extinções reais caíram 28%. E foram criados mais de 33 mil novos negócios no país.

Em apenas um ano, desapareceram mais de 28 mil empresas do país, mas quase 90% destes encerramentos resultaram da limpeza de ficheiros feita pelos serviços do Instituto dos Registos e Notariado (IRN). Trata-se de um pico sem precedentes nos últimos cinco anos, já que, em média, eram extintas administrativamente cerca de 12.300 empresas – ou seja, menos de metade do verificado em 2014. Apesar deste pico, a criação de novos negócios voltou a superar as dissoluções, ultrapassando os 33 mil.

Dados cedidos ao PÚBLICO pelo Ministério da Justiça (que tutela o IRN) mostram que, entre Janeiro e Dezembro de 2014, foram dissolvidas 28.423 empresas, das quais 25.446 através dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC), um regime criado em 2006 para limpar dos ficheiros milhares de entidades “fantasma”, que já não tinham actividade mas continuavam a viver nos registos.

Houve uma grande vaga de extinções através deste mecanismo logo em 2008 e 2009, mas, com o passar dos anos, este movimento perdeu intensidade, até porque foi diminuindo o número de casos que se encaixavam no perfil da dissolução oficiosa. O RJPADLEC pode ser accionado quando, por exemplo, as empresas não depositam as contas durante dois anos consecutivos ou quando o fisco comunica ao IRN a ausência de actividade.

Os 25.446 encerramentos administrativos registados em 2014 representam uma subida de 230% face a igual período do ano anterior, em que houve apenas 7703 dissoluções deste tipo. Aliás, desde 2010 que não se assistia a um número tão elevado de extinções oficiosas. O valor mais próximo foi alcançado em 2011 – ano em que atingiram 19.763. Nos últimos cinco anos, a média foi de 12.300 a cada doze meses.

O Ministério da Justiça explicou que "os dados de 2014 reflectem não só o número de processos instaurados e decididos" durante esse ano, mas também outros que tiveram início anteriormente mas só foram concluídos no ano passado. De qualquer forma, a tutela referiu que o pico nas dissoluções administrativas se ficou a dever sobretudo a dois factores: um aumento dos casos reportados pelo fisco, que só em 2014 "comunicou a cessação oficiosa de, pelo menos, 9635 entidades", e, por outro lado, o facto de ter passado a ser possível "instaurar oficiosamente (...) o procedimento às entidades que não efectuaram o registo de prestação de contas durante dois anos consecutivos".

De acordo com o ministério, "até então esse procedimento apenas era possível se, para além da falta do registo da prestação de contas, a administração tributária comunicasse ao serviço de registo a omissão de entrega da declaração fiscal de rendimentos pelo menos período".

A tutela de Paula Teixeira da Cruz explicou que, dos mais de 25 mil encerramentos feitos ao abrigo do RJPADLEC, 20.095 correspondem a entidades liquidadas administrativamente (ou seja, verdadeiramente extintas) e outros 2240 a dissoluções. Cabem ainda no bolo global dos encerramentos oficiosos 2208 entidades com processos de dissolução pelos serviços pendente e, por fim, 903 entidades com liquidação igualmente pendente.

Estes 25 mil encerramentos por limpeza de ficheiros representam quase 90% do total de extinções registadas no país em 2014, somando-se apenas 2977 dissoluções voluntárias (que partiram da iniciativa dos próprios sócios das empresas, por exemplo). O ano passado foi, aliás, também atípico nesta relação, já que em períodos anteriores essa proporção rondava os 76%, tendo descido para os 65% em 2013.

Queda de 28% nos encerramentos reais
Além do pico nas dissoluções administrativas, este fenómeno também é explicado pelo facto de os encerramentos voluntários terem diminuído substancialmente em 2014. Face ao período homólogo, caíram mais de 28%, já que em 2013 tinham chegado a 4149. O valor mais elevado dos últimos cinco anos foi registado em 2012 (4225), mas os números de 2014, apesar de mais baixos do que nos dois anos anteriores, ainda ficam acima dos registados em 2010 – período em que se verificou 2539 extinções por pedido.

Juntando os oficiosos e os voluntários, houve 28.423 encerramentos no ano passado, o que significou um acréscimo de 140% face a 2013, fruto do pico nas extinções administrativas. A dispersão geográfica mostra que Lisboa lidera o ranking das dissoluções, com 8510 (7959 administrativas e 551 voluntárias). Mas, se análise se concentrar nos chamados encerramentos reais, é o Porto que fica à frente, com 745 voluntários e 6143 oficiosos (6888, no total).

Em termos sectoriais, a construção ocupa o primeiro lugar na lista de actividades que mais empresas destroem, com 2909 dissoluções administrativas e 311 voluntárias. Segue-se o transporte rodoviário de mercadorias (950, no total), a restauração (775), a promoção imobiliária (532) e os negócios ligados à consultoria para a área de gestão (574).

Mas o que os dados do Ministério da Justiça também têm revelado, ao longo dos anos, é que é precisamente nos sectores com mais encerramentos que há mais criação de empresas. E o ano passado não foi muito diferente. A promoção imobiliária surge em primeiro lugar, com 1535 nascimentos, seguida de perto pela construção (1496) e pela consultoria de gestão (1332). Também volta a surgir a restauração (1231) e a única novidade face ao ranking das dissoluções é a actividade dos cafés, que aparece na quinta posição, com 544 novos negócios, não havendo lugar ao sector do transporte rodoviário de mercadorias.

No total, foram constituídas 33.474 empresas em 2014, o que representou uma descida ligeira de 0,2% face ao período homólogo. Mas, a seguir a 2013, foi o ano com maior número de novos negócios desde 2010. Só o facto de ter havido um pico nas dissoluções oficiosas fez com que o saldo líquido entre encerramentos e constituições caísse para pouco mais de cinco mil, quando tinha atingido quase 22 mil no ano anterior. Se o cálculo for feito apenas às extinções voluntárias, o saldo até cresceu, para 30.497, já que aquele tipo de encerramentos diminuiu.

No entanto, nem todas as regiões do país chegaram ao final de 2014 com um saldo líquido positivo. Em cinco distritos, houve mais encerramentos do que aberturas, com destaque para Setúbal, que registou um saldo negativo de 859 empresas. O mesmo aconteceu no Porto (562), em Aveiro (540), em Faro (104) e em Santarém (73). No extremo oposto ficaram Lisboa, o distrito onde houve mais nascimentos de empresas no ano passado e onde o saldo foi positivo em 1332 novos negócios, e também Braga, com 1211.

Fonte: Público