Tribunais sem carros para transporte de processos dentro das novas comarcas

Queixa é do vice-procurador-geral da República que lamenta ainda a falta de instalações adequadas e de funcionários.

A nova organização dos tribunais, que arrancou em Setembro passado, obriga ao transporte permanente de processos entre vários serviços da mesma comarca. Contudo, não existem carros para fazer este transporte. Por isso, muitas vezes, esse transporte tem que ser feito com recurso aos transportes públicos ou ao correio. A queixa foi feita pelo vice-procurador-geral da República, Adriano Cunha, este sábado, no encerramento do X Congresso do Ministério Público, em Vilamoura.

À saída, o número dois da hierarquia do Ministério Público explicou ao PÚBLICO o exemplo da Madeira, lembrando que a reforma apostou na concentração de serviços nas sedes de distrito e na especialização de serviços. “Todos os inquéritos da ilha são controlados por juízes de instrução concentrados no Funchal. Por isso, os processos têm necessariamente que andar de um lado para o outro”, afirmou. E acrescentou: “Há comarcas sem carro e outras que têm apenas uma viatura.” O magistrado adiantou que os tribunais estão à espera de dez novos veículos, mas sublinhou que estes não serão suficientes para as necessidades das 23 novas comarcas.

Adriano Cunha lamentou ainda “as carências notórias” ao nível informático e a falta de instalações adequadas. O magistrado recordou que o novo modelo obrigou à centralização de serviços nas sedes de distrito e que muitas instalações não foram adaptadas por falta de verbas. “No distrito de Viseu a grande maioria dos magistrados foi trabalhar para Viseu. Agora está tudo apertadíssimo.”

No discurso, o vice-procurador-geral da República reconheceu que a reforma do mapa judiciário era necessária, mas lamentou que o seu “arranque tenha sido prejudicado pela falta do necessário investimento em infra-estruturas logísticas”, como instalações, funcionários, sistemas informáticos e até automóveis. “Nas comarcas não existem coisas tão simples como veículos para transportar pessoas e processos”, disse.

Num tom conciliador, afirmou que o Ministério Público tem assumido “a única atitude que poderia tomar: uma colaboração leal, ainda que construtivamente crítica, na tentativa de obviar as dificuldades e maximizar as virtualidades da reforma”. E justificou: “É isto que lhe é imposto pelo interesse público.” Mesmo assim, acabou por reconhecer que esta magistratura tem encontrado “especiais dificuldades”, porque alguns traços da reforma “se adaptam mal às características de autonomia do Ministério Público” e devido à falta de adaptação do estatuto dos procuradores à nova organização.

Na parte da manhã, coube ao director-executivo do Centro de Estudos Sociais (CES), João Paulo Dias, arrasar a forma como foi lançada a reforma: à pressa, sem meios nem relatórios a fundamentá-la. O investigador lamentou que os cidadãos, os últimos destinatários destas mudanças, não tenham sequer recebido um folheto informativo nas suas caixas do correio, defendendo que tal era “o mínimo” que se impunha face àquela que é considerada a principal reforma na Justiça dos últimos 100 anos. “Os políticos lembram-se dessas ferramentas apenas para distribuir panfletos eleitorais”, criticou.

“O novo mapa foi implementado sem experiências-piloto para detectar e corrigir eventuais problemas”, disse ainda o director-executivo do CES. Problemas “que vieram a ser evidentes, ao nível informático, condições físicas dos edifícios, formação dos profissionais, informação à opinião pública".


Fonte:Público