Tribunal de Contas diz que regulador das águas não acatou recomendações

Relatório diz que ERSAR não promoveu medidas de modo a diminuir o risco das câmaras, uma análise que o regulador contesta.

Depois de ter detectado vários problemas numa auditoria realizada no ano passado a 27 concessões municipais de água, o Tribunal de Contas (TdC) concluiu que só um terço das recomendações efectuadas ao Governo e à Entidade Reguladora do Sector das Águas e Resíduos (ERSAR) foi acolhida por estas entidades.

O TdC é particularmente crítico com a entidade reguladora na forma como foram abordadas as recomendações: “A ERSAR não tomou qualquer iniciativa, directa e concreta, com o objectivo de promover, junto dos municípios concedentes, o acatamento das recomendações formuladas pelo TdC, pelo que se considera uma situação não consentânea com a defesa do interesse público”, lê-se no relatório que foi publicado ontem pelo tribunal.

Em comunicado enviado ao final da tarde, a ERSAR sublinhou que a sua actividade em prol do interesse público não se limita à avaliação dos encargos públicos associados aos contratos de concessão (incidindo sobre aspectos como a qualidade da água ou a acessibilidade económica dos serviços para as populações), pelo que a apreciação do TdC diz respeito “a um aspecto, muito específico, da alegada falta de divulgação pela ERSAR das recomendações do relatório de auditoria”.

Que desde logo “contesta claramente”, lembrando que publicou o relatório do TdC na sua newsletter de Abril, “enviada a mais de três mil contactos, incluindo todo os municípios do país e entidades gestoras de águas e resíduos”, e na Internet. E sustenta ainda que “grande parte das recomendações” do TdC “coincidem em larga medida com recomendações que a ERSAR tem vindo a emitir ao longo dos anos”.

Vantagens para as empresas
Na auditoria de Fevereiro de 2014, a instituição liderada por Guilherme d’Oliveira Martins constatou que nas condições dos contratos de concessão de água a privados (as chamadas actividade “em baixa”, que asseguram a distribuição e abastecimento de água tratada aos cidadãos) havia uma distribuição desigual do risco entre as empresas e entre os municípios, tendo em conta que se trata de actividades reguladas, com rendimentos garantidos.

Segundo o TdC, na maioria das concessões analisadas (74%) os municípios assumiram a responsabilidade de indemnizar as concessionárias pelas reduções no consumo face aos valores estimados no contrato, além de outros riscos relativos à construção e exploração dos sistemas. Por isso, o TdC recomendou a necessidade de eliminar progressivamente as cláusulas contratuais que implicam a transferência de riscos (operacionais, financeiros e de procura) para as autarquias.

O TdC defendeu ainda a necessidade de se adaptarem e reverem os contratos de concessão com vista à redução das taxas de retorno dos accionistas (em especial quando estes são superiores a 10%). Segundo o TdC as taxas de rentabilidade oscilavam entre os 9,5% em Cascais e os 15,5% em Campo Maior.

Outra recomendação ia no sentido da criação de “mecanismos de partilha de benefícios com os utentes e/ou concedentes, em especial os resultantes da descida programada, para os próximos anos, em sede de IRC”. É que, segundo o tribunal, “os reequilíbrios financeiros nunca funcionaram em benefício dos municípios concedentes ou dos respectivos utilizadores, quando se verificaram situações susceptíveis de gerar rendimentos líquidos superiores ao previsto” para as entidades gestoras.

Era também recomendado à ERSAR, presidida por Jaime Melo Baptista, que promovesse a adopção de “pressupostos económicos, financeiros e técnicos prudentes” no lançamento das novas concessões de forma a garantir a sua sustentabilidade económico-financeira e evitar potenciais reequilíbrios feitos à custa de um agravamento do tarifário dos utentes.

Segundo o TdC, as recomendações “tiveram em termos gerais, por parte da ERSAR, um nível de acolhimento insatisfatório”. Isto, apesar de “a ERSAR partilhar das mesmas preocupações que o TdC, no que respeita à necessidade de existir um maior equilíbrio contratual na partilha de riscos e benefícios nos contratos de concessão”, diz o documento.

Segundo o TdC, na resposta que lhe enviou, a ERSAR considerou que algumas das recomendações apresentadas tinham como fragilidade o facto de a “promoção de alguns objectivos cuja implementação efectiva depende, porém, de decisões e do acordo dos concedentes e respectivas concessionárias, uma vez que os pareceres da ERSAR não são vinculativos”.

No seu comunicado o regulador do sector das águas e resíduos lembra ainda que tem disponibilizado aos municípios uma minuta de caderno de encargos para melhorar a contratação e acautelar muitos dos problemas identificados pelo TdC e está a preparar um novo regulamento tarifário para tornar mais exigentes os critérios de fixação de tarifas, quer em termos de eficiência, quer no relacionamento entre as partes.

Governo não reviu regime jurídico
Segundo o TdC, entre as recomendações que foram acolhidas pela ERSAR está a do seu reforço de competências, que resulta automaticamente da revisão dos seus estatutos, concretizada no ano passado, e a de manter actualizada uma base de dados das concessões em Portugal. A recomendação de promover a constituição e bom funcionamento de comissões de acompanhamento aos sistemas só foi acolhida parcialmente, acrescenta o TdC.

No caso do Governo, embora aplauda a revisão dos estatutos da ERSAR, o TdC lembra que ficou por fazer a revisão do regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento de água, saneamento e resíduos, “em consonância com os princípios e boas práticas constantes do regime geral das PPP”, com vista a “salvaguardar os interesses dos utentes e dos municípios, em especial nas condições de revisão do contrato de concessão”.

O TdC salienta que o modelo de gestão concessionada nas águas pode constituir um adequado instrumento de contratação pública, com “vantagens acrescidas” face à gestão directa ou delegada, como a maior capacidade de financiamento e know-how das empresas, mas para isso é necessário assegurar diversas condições chave, como um nível de densidade populacional que permita viabilizar o investimento programado e que se assegure contratualmente a partilha de riscos entre concedentes e concessionários, bem como a partilha de benefícios.

Aos municípios devem ser garantidos mecanismos de penalização e responsabilização das concessionárias por incumprimento, mas, em contrapartida, as câmaras também devem adoptar sistemas de monitorização e controlo da actividade concessionada, refere o relatório do TdC.


Fonte: Público