Menos de metade das empresas consegue negociar dívidas fora dos tribunais

Alternativa à insolvência criada pelo Governo teve menos de 500 adesões desde 2012. Revisão acontecerá já em Março.

Ao fim de quase dois anos e meio e prestes a sofrer uma remodelação, o balanço do mecanismo que o Governo criou para que devedores e credores chegassem a acordo fora dos tribunais mostra que foram poucas as empresas que viram neste caminho uma saída para as dificuldades. Mais, revela que menos de metade foi bem-sucedida a negociar as dívidas. Agora, com a revisão marcada para Março, a expectativa é que aumente não só o número de adesões, como de casos de recuperação de negócios viáveis, mas financeiramente debilitados.

Dados cedidos ao PÚBLICO pelo Ministério da Economia mostram que desde que o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (Sireve) foi criado, em Setembro de 2012, apenas 470 empresas recorreram a este mecanismo – uma alternativa à insolvência, mediada pela Agência para a Competitividade e Inovação (Iapmei), que veio substituir um instrumento que também sempre teve pouca procura, o Procedimento Extrajudicial de Conciliação (PEC).

E, do quase meio milhar de empresas que recorreu ao Sireve, nem todas saíram vitoriosas. Para já, porque quase 14% dos pedidos foram recusados (e outros 3,2% estão ainda em análise). Mas, sobretudo, porque menos de metade conseguiu chegar a acordo com os credores para negociar as dívidas e recuperar a actividade.

Olhando apenas para os processos já concluídos (312 dos 391 que foram aceites pelo Iapmei), verifica-se que só foi conseguido acordo em 147 (ou seja, 47,1% do total). Nos restantes 165 (52,9%), as empresas não conseguiram chegar a um entendimento com os credores, o que, regra geral, inclui a banca, fornecedores, trabalhadores e o Estado (Autoridade Tributária e Aduaneira e Segurança Social).

Ainda assim, a taxa de sucesso conseguiu subir face à do mecanismo que antecedeu ao Sireve. Entre 2006 e Agosto de 2012, o PEC teve mais de 1600 adesões, mas apenas 540 empresas saíram deste mecanismo com um acordo. Ou seja, a taxa de sucesso não chegou a 34%.

Os dados cedidos pelo Ministério da Economia mostram ainda que foram sobretudo as microempresas que recorreram ao Sireve, representando 46,6% do total de pedidos de adesão. E, por isso, também dominam os negócios com menos de dez postos de trabalho (48,7%) e com uma facturação inferior a dois milhões de euros (78,1%). Em termos sectoriais, o ranking é liderado pelos serviços (27,4%), seguindo-se a indústria (26,8%) e o comércio (22,8%). E, por região, é o norte que lidera, com um peso de 34,7%. Lisboa e o centro surgem logo a seguir, com 29,8% e 24,5%, respectivamente.

Uma revisão mais transversal, sob críticas da troika
O Governo sempre reconheceu que poderia haver melhorias a introduzir a este mecanismo, criado no âmbito de uma reforma mais aprofundada, que inclui a revisão do código das insolvências e o lançamento do Processo Especial de Revitalização (PER), em que a negociação das dívidas é feita nos tribunais. Mas essa necessidade foi-se tornando mais clara à medida que aumentavam as críticas da troika ao reduzido sucesso dos dois instrumentos na recuperação de empresas em dificuldades financeiras.

Questionado pelo PÚBLICO sobre as principais falhas detectadas no Sireve, o secretário de Estado da Inovação, Investimento e Competitividade respondeu que uma das dificuldades é o “estigma relativamente às empresas que entram em processo de revitalização”, sublinhando ainda que “muitas das empresas entram demasiado tarde em processos de recuperação” e, quando o fazem, “já são operacionalmente e financeiramente inviáveis”.

Por outro lado, “as empresas chegam aos procedimentos com pouca informação sobre a sua real situação” e “a qualidade média dos planos de reestruturação e viabilização futura é baixa”, acrescentou Pedro Gonçalves. O governante considera ainda que “por vezes as empresas que conseguem reestruturar com sucesso não conseguem obter financiamento de curto prazo de fornecedores ou bancário”.

A revisão que entrará em vigor em Março, depois de ter sido publicada no início deste mês em Diário da República, vem dar resposta a estes constrangimentos, nomeadamente por introduzir uma fase prévia de diagnóstico da saúde financeira das empresas. Esta é uma ferramenta gratuita que não as obrigará a recorrer ao Sireve, mas que poderá levá-las a aderir a este mecanismo ou a optar por outra alternativa, como a insolvência. “No ano de cruzeiro 2016 consideramos que seria positivo que tivéssemos mais de 1000 empresas a passar pela fase de diagnóstico”, disse Pedro Gonçalves.

Mas há outras mudanças previstas na revisão da lei, como a possibilidade de as empresas recorrerem a mentores na fase de viabilização e o facto de os acordos se tornarem, à partida, mais fáceis, visto que bastará um terço dos credores para os aprovar. Além disso, as condições de acesso ao Sireve foram filtradas para evitar que todo o tipo de empresas, mesmo as que deveriam seguir para a falência judicial, recorram a este mecanismo.

Esta revisão enquadra-se numa reforma mais abrangente, que resultou de um plano de acção negociado no início de 2014 entre o Governo e a troika, com o objectivo de aumentar os casos de recuperação, reduzir o excessivo endividamento das empresas e a dependência da base. Além das alterações no Sireve, também o PER sofreu mudanças (com destaque para a redução do quórum de credores necessário para aprovar planos de viabilização), assim como o regime do Fundo de Garantia Salarial. Foi reformulado o Código das Sociedades Comerciais, para estimular o recurso a alternativas de capitalização (como a emissão de obrigações), e o papel do mediador do crédito. E houve várias alterações a nível fiscal.

Fonte: Público