Provedoria de Justiça acusa a ACT de abusar do trabalho de desempregados

Escolas, centros de saúde, câmaras, juntas de freguesia, Segurança Social e até a ACT recorrem a desempregados para assegurar postos de trabalho considerados «essênciais». O Provedor fala em abusos «flagrantes» na Administração Pública e admite «nova forma de precariedade laboral».

A Provedoria de Justiça denúncia que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) está a abusar do trabalho dos desempregados recrutados através dos centros de emprego, usando-os, sem salário, em funções «essenciais».
O Provedor de Justiça acusou, em comunicado, na sexta-feira, o Estado de fazer um uso abusivo e ilegal destes programas, substituindo, através deles, postos de trabalho que fazem falta, mas que não são criados. Agora, um ofício de 17 páginas, divulgado esta semana e enviado ao governo, dá vários exemplos.
O documento fala em inúmeras queixas de desempregados a ocupar postos de trabalho considerados «essenciais» para o funcionamento de escolas, centros de saúde, câmaras municipais, juntas de freguesia. Há ainda registos de 38 colocados na sede, em Lisboa, da Segurança Social.
O Provedor, José Faria Costa, argumenta que a lei não deixa que estes programas ocupem postos de trabalho, mas não é isso que está a acontecer, num problema levantado pela provedoria, pela primeira vez, em 2002.
Quem entra nestes programas promovidos pelo IEFP não ganha um salário, mas uma bolsa mensal de 84 euros (mais subsídios de transporte e de alimentação). Na prática, diz o provedor, «é criada uma situação de trabalho sem garantias e sem direitos» quando, «na verdade, estes desempenham atividades laborais sem que seja reconhecido o estatuto de trabalhador».
Pelo simbolismo, o ofício dá particular destaque ao caso da ACT onde existem 45 pessoas colocadas através dos contratos emprego-inserção, assinados com o IEFP. Desempregados que a ACT assume, em instruções internas, citadas pelo ofício, que têm actividades «caracterizadoras» de «postos de trabalho» e «essenciais às atribuições» desta entidade pública que «tem por missão» fiscalizar e promover «a melhoria das condições de trabalho».
Avaliando estes programas do IEFP, José Faria Costa diz que criam-se expectativas quando, na prática, não há «qualquer possibilidade de empregabilidade» futura no Estado, facto que leva o Provedor a perguntar se estas medidas não são, «de facto», uma «nova forma de precariedade laboral».
No ano passado, segundo o IEFP, 59 mil portugueses estiveram envolvidos nestes programas. Este ano, até setembro, o número chegava aos 47 mil.
Em resposta enviada à TSF, o gabinete do Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social explica que este tipo de medidas existe há três décadas, evitando o isolamento dos desempregados e promovendo, «indirectamente», a empregabilidade.
O governo garante não se estão a «preencher postos de trabalho existentes» e, com frequência, sao os próprios desempregados a pedir para participar. Além disso, «o número de pessoas inscritas nestas medidas não tem registado grandes flutuações» e há um estudo, de 2012, que mostra impactos positivos, mesmo que «modestos», na empregabilidade.
Inquéritos feitos aos beneficiários destas medidas ocupacionais mostram ainda que 80% valorizam positivamente aquilo que fizeram.
Nas escolas, o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares admite que muitas só funcionam porque têm estes desempregados a trabalhar. Manuel Pereira explica que há anos que saem auxialiares educativos e ninguem entra, a nao ser os desempregados colocados pelos centros de emprego.
«Há muitas escolas que só estão abertas graças a estas pessoas, apesar de ser também um problema grave pois estamos perante desempregados sem qualquer formação para trabalhar com crianças». O problema agrava-se porque, conclui o representante dos diretores escolares, muitos vão trabalhar «obrigados pela Segurança Social».


Fonte: TSF