BES. Banco de Portugal apresenta queixa na justiça contra Ricardo Salgado

Supervisor terá encontrado indícios de manipulação da contabilidade e de falta de zelo na gestão do património pelos administradores

Suspeitas de burla, infidelidade e falsificação de documento. Foram estes os primeiros indícios criminais que o Banco de Portugal recolheu da investigação à anterior gestão do Banco Espírito Santo (BES), liderada por Ricardo Salgado, e que remeteu, em Setembro, para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) - o departamento responsável pela investigação da criminalidade mais complexa e que está a investigar o Grupo Espírito Santo (GES).

Ao que o i averiguou, em causa estão suspeitas de que a contabilidade de empresas do GES e do próprio banco terá sido manipulada, que clientes terão sido enganados ao serem chamados a investir em produtos financeiros de sociedades endividadas e que diversos administradores não terão gerido fundos com o zelo que os seus deveres impunham, causando assim prejuízos patrimoniais aos accionistas.

Ricardo Salgado, ex-presidente da Comissão Executiva do banco, Amílcar Morais Pires, ex-administrador com o pelouro financeiro, e outros membros da Comissão Executiva que renunciaram aos cargos antes de o Banco de Portugal apresentar a medida de resolução que separou o Novo Banco do "bad bank" são os principais alvos das suspeitas.

O Banco de Portugal tem ainda em curso neste momento uma auditoria forense que varre a pente fino os últimos actos da anterior gestão liderada por Ricardo Salgado. A auditoria encomendada pelo BdP no início do Verão por suspeitas de fraude tem a missão de, de acordo de com as declarações do governador Carlos Costa, fazer uma "avaliação de comportamentos" sobre "a forma como foi gerido" o banco. Em causa não está só descobrir imparidades escondidas nas contas mas avaliar se a anterior equipa de gestão do BES cometeu irregularidades no desempenho das suas funções. O que poderá levar o supervisor bancário a apresentar mais queixas no DCIAP.

Recorde-se que um dos esquemas mais complexos sob investigação gira em torno da Eurofin Securities, a sociedade suíça especializada em serviços financeiros que terá servido de intermediária para - através de operações que envolviam outros países, sociedades e bancos estrangeiros - tirar dinheiro do BES e usá-lo para ir abatendo dívida do grupo.

A alegada fraude veio a público quando, a 3 de Agosto, o governador Carlos Costa apresentou a medida de resolução para o BES e revelou que, na segunda metade de Julho, os auditores externos tinham identificado "operações de colocação de títulos, envolvendo o Banco Espírito Santo, o Grupo Espírito Santo e a Eurofin Securities, que determinaram um registo de perdas nas contas do Banco Espírito Santo no valor total de 1249 milhões de euros, com referência a 30 de Junho de 2014".

Apesar das suspeitas de que o alegado esquema fraudulento seria há anos usado por Ricardo Salgado e funcionários do BES, os investigadores estão concentrados nos movimentos levados a cabo nas últimas semanas de Julho e que terão criado prejuízos enormes nas contas semestrais do banco.

O i revelou na passada semana como o Departamento Financeiro de Mercados e Estudos do Banco Espírito Santo (BES) - controlado pelo administrador Amílcar Morais Pires e pela directora financeira Isabel Almeida - usou em 2014 uma série de sociedades-veículo criadas pela Eurofin (mas que se suspeita serem controladas pelo BES) numa operação que visou retirar 800 milhões de euros do banco para pagar dívida do grupo.

A equipa do BES ter-se-á servido de um esquema triangular entre o banco, o GES e a Eurofin para emitir dívida junto dos clientes, mas não directamente. Ao fazê-lo, terá conseguido criar um alegado lucro fictício que durante meses terá servido para diminuir o passivo das holdings do GES, ao mesmo tempo que escondia que aqueles rendimentos estavam, afinal, a ser retirados do BES. O prejuízo ter-se-á avolumado quando as perdas contabilísticas se transformaram em perdas reais: no mês de Julho o banco desatou a recomprar as obrigações e fê--lo com prejuízo. No âmbito do plano de ring fencing imposto pelo Banco de Portugal no início de Dezembro de 2013, teria de haver uma separação, isto é, o banco não podia ficar exposto às dívidas do grupo.

Traçar a radiografia da anterior gestão do GES implica ainda analisar a fundo como a dívida da Espírito Santo International (ESI), holding do ramo não financeiro do GES, praticamente duplicou no espaço de nove meses e como foi criado o famoso buraco de 1300 milhões de euros. Apesar de as contas serem assinadas por Ricardo Salgado e outros administradores do grupo, publicamente o então líder do BES passou a mensagem de que quem terá ocultado a verdadeira dívida da holding pelo menos desde 2008 terá sido Francisco Machado da Cruz, contabilista da ESI no Luxemburgo. O comissaire aux comptes, por seu turno, admitiu em documentos entregues ao BdP que Salgado, Manuel Fernando Espírito Santo, José Manuel Espírito Santo e José Castella, controller financeiro do GES, tinham conhecimento que as contas não eram as verdadeiras, só não saberiam o valor real da dívida.

Fonte: Jornal i