Finanças ainda só divulgaram sete inspecções às autarquias concluídas este ano

Desconhece-se se foi o número de auditorias que caiu a pique, ou se é a Inspecção Geral de Finanças que não está a respeitar o compromisso de as tornar públicas, assumido pela ministra das Finanças com o Parlamento.

A Inspecção-Geral de Finanças (IGF) divulgou desde Janeiro sete relatórios de acções inspectivas efectuadas a outros tantos municípios e homologadas já este ano pela secretaria de Estado do Orçamento.

Este número significa uma de duas coisas: o incumprimento do compromisso governamental de revelar todas as inspecções às autarquias; ou a confirmação das teses daqueles que pressagiaram o fim da fiscalização dos municípios e freguesias com a entrega à IGF das competências que pertenciam à Inspecção-Geral da Administração Local (IGAL).

Além dos sete relatórios homologados este ano, a IGF publicou no seu site, desde Janeiro, oito relatórios homologados ainda em 2013. No total, desde Maio de 2012, altura em que a IGF assumiu as funções da antiga IGAL, foram divulgados, e estão disponíveis no seu site, 30 relatórios de auditorias temáticas a municípios e nenhum referente a freguesias.

De acordo com uma informação prestado ao PÚBLICO em Fevereiro deste ano pelo Ministério das Finanças, o secretário de Estado e/ou o subsecretário de Estado do Orçamento tinham despachado até então um total de 100 processos de autarquias desde que as atribuições da IGAL tinham passado para a IGF.

No mês passado o PÚBLICO perguntou ao gabinete da ministra quantos processos tinham sido despachados em 2014, mas essa pergunta ficou sem resposta.

Os dados disponíveis no site da IGF, mostram, no entanto, que depois de Fevereiro foram homologados e publicados mais sete relatórios — relativos às câmaras de Murtosa, Alvaiázere, Lamego, Figueira da Foz, Cinfães, Vinhais e Vila Nova de Poiares —, o que não quer dizer que não haja outros já despachados que aguardem ainda publicação.

Em todo o caso, verifica-se que das pelo menos 107 acções inspectivas concluídas e homologadas nestes dois anos e meio, apenas 30 foram objecto de divulgação pública.

O compromisso de divulgação integral de todos os relatórios relativos às autarquias, recorde-se, foi assumido pela ministra das Finanças em Junho do ano passado, em consequência de uma recomendação aprovada por unanimidade na Assembleia da República. A iniciativa parlamentar resultou da adopção pela IGF de uma directiva do ex-ministro Vítor Gaspar, de Dezembro de 2012, que determinava a publicação de curtos sumários de tais relatórios, ao contrário do que acontecia até então: Desde 2007, a IGAL divulgava no seu site os relatórios completos, expurgando-os apenas das partes que tinham sido objecto de participação ao Ministério Público por indícios da práticas ilegais.

A avaliar pelos dados disponíveis e mesmo que se admita que este ano só foram despachados sete processos, terá de se concluir que mais de 70% das auditorias terminadas desde Maio de 2012 (77 em 107) não foram divulgadas, ao contrário do compromisso do Governo com o Parlamento. Ou então, que mais de 70% delas detectaram indícios de práticas ilegais que, ao invés do que sucedia até 2102, levaram à não divulgação das partes dos relatórios que não tenham a ver com essas práticas.

Esta semana o PÚBLICO voltou a questionar o Ministério das Finanças sobre o número de acções inspectivas às autarquias já homologadas este ano, mas recebeu a indicação de que “a responsável da IGF não está no país” e de que “um eventual esclarecimento adicional só será possível a partir de segunda-feira”.

Nos últimos anos de funcionamento da IGAL, o número de acções inspectivas efectuadas em cada ano ultrapassou substancialmente o das auditorias que têm sido feitas pela IGF. O plano de actividades da IGAL para 2011 apontava para a realização de 71 inspecções a municípios e 12 a freguesias — números consistentes com o que tinha sido feito nos últimos dois anos e com o objectivo de inspeccionar todos os 308 municípios em cada mandato autárquico de quatro anos.

No caso da IGF, mesmo pondo de lado o facto de muitos dos 107 processos despachados pela tutela nos últimos dois anos e meio ter tido início no tempo da IGAL, deduz-se que a média anual de municípios inspeccionados ronda agora os 42. Quanto a freguesias não há notícia no site de que alguma tenha sido auditada.

No tocante à detecção de indícios de práticas ilícitas, a IGF comunicou em Abril do ano passado à Assembleia da República que tinha identificado 68 situações que foram objecto de participação ao Ministério Público em 2012 — 29 de natureza administrativa (comunicadas aos tribunais administrativos), 32 de ordem financeira (Tribunal de Contas) e sete de natureza criminal (tribunais judiciais).

A IGAL, por seu lado, efectuou 171 participações ao Ministério Público em 2011 — 81 prendiam-se com indícios de crimes, 58 com ilícitos administrativos e 32 com ilícitos de natureza financeira.

A extinção da IGAL e a passagem das suas atribuições para a IGF foi anunciada por Miguel Relvas em Julho de 2011, semanas depois de o então inspector-geral da Administração Local, o juiz desembargador Orlando Nascimento, ter dirigido ao Ministério Público uma queixa-crime contra o ex-presidente da câmara de Penela, Paulo Júlio, então secretário de Estado da Administração Local.

A decisão governamental fez com que Orlando Nascimento divulgasse de imediato uma carta que levou dias depois à sua exoneração pelo Governo. Na missiva, a propósito do projecto de extinção da IGAL, afirmava: “A corrupção ganhou”.

Fonte: Público