6% dos processos por corrupção acabam em condenações e 1% em absolvição

Mais de metade dos processos acabam arquivados. Números divulgados pelo Conselho de Prevenção da Corrupção dependem da comunicação dos tribunais, que muitas vezes não informam o organismo.

Seis por cento das decisões judiciais relativas a crimes de colarinho branco reportadas ao Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) nos últimos cinco anos — entre 2008 e 2013 — terminaram em condenações, 1% em absolvições e mais de metade acabaram arquivadas. Os números foram divulgados esta segunda-feira pelo organismo criado em 2008, reconhecendo-se no relatório que os números dependem das comunicações feitas pelos tribunais, que muitas vezes não informam o CPC.

Por isso mesmo o presidente da associação Transparência e Integridade, Luís de Sousa, alerta para a fragilidade dos números e para a impossibilidade de fazer leituras sobre eles. A administração local é a área que apresenta “invariavelmente” maior expressão entre as entidades envolvidas nos processos, com 40% do total dos casos.

Num universo de 544 casos reportados em mais de cinco anos, 55,5% acabaram arquivados e 168 resultaram em acusação. Isso significa uma taxa de acusação de 31%, bastante superior à taxa dos inquéritos-crime em geral (em 2012 foi de 10%). Mas destes, o CPC só conhece o desfecho de 37, ou seja, menos de um quarto. As 33 condenações superam em muito as quatro absolvições reportadas, mas mesmo assim significam, respectivamente, apenas 6% e 1% do total de casos.

Apesar das limitações dos números, estes estão em linha com a taxa de acusação (29%) registada em 393 inquéritos na área da criminalidade económico-financeira cuja evolução tem sido monitorizada pela Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa desde Março de 2008, no âmbito do projecto ECOLAB. Segundo dados divulgados há dias, também aqui as condenações são mais frequentes que as absolvições. Dos 114 processos em que houve acusação, 45 terminaram em condenação e 14 em absolvição. Nove terminaram por outros motivos, como a prescrição ou a morte do visado, e 46 ainda estão pendentes.

A procuradora-geral distrital de Lisboa, Francisca Van Dunem, admite que o facto de haver mais condenações que absolvições nos processos que seguem para julgamento decorre da avaliação prévia feita nos casos. “Só avançamos para a acusação quando a probabilidade de condenação é muito superior à de absolvição”, afirma Van Dunem, lembrando que as estatísticas não têm em conta a gravidade dos casos. “Os números incluem processos simples como uma funcionária de uma escola com acesso à cantina que leva farinha para casa e casos como o BCP ou o BPP”, reconhece, sublinhando que a percepção da opinião pública sobre o funcionamento da Justiça no combate à corrupção resulta muito dos casos mediáticos.

Mesmo assim, a procuradora-geral distrital enfatiza que na última década a “capacidade de esclarecimento do Ministério Público deu um salto brutal”. E exemplifica: “Inquéritos como o BPN, o BCP e o BPP duraram um ano e meio ou dois anos a investigar, quando há uma década demorariam dez ou mais anos”. Francisca Van Dunem realça, contudo, que muitas vezes os percalços destes processos durante a instrução ou o julgamento fazem as pessoas esquecer a rapidez das investigações.

Luís de Sousa reconhece que há bons profissionais na Justiça e um saber acumulado em alguns serviços, como o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, que tem permitido um trabalho consistente na luta contra a corrupção nos últimos anos. Mesmo assim sustenta que há muito a melhorar, começando pelo tratamento estatístico dos processos que chegam à Justiça. Luís de Sousa recusa-se a comentar os dados do CPC, considerando que os mesmos “não são fidedignos” e lamentando que haja uma multiplicidade de entidades com números relativos à criminalidade económico-financeira e estes não sejam coincidentes.

O presidente do CPC, Guilherme d'Oliveira Martins, reconhece as limitações dos dados, mas acredita que as situações comunicadas permitem extrair algumas conclusões com utilidade para a prevenção da corrupção. “Com base nestas situações o CPC aprovou recentemente uma recomendação relativamente aos centros de exame e de inspecção automóvel, além de ter reforçado o acompanhamento dos planos de prevenção de riscos de corrupção e infracções conexas”, exemplifica Oliveira Martins. O presidente do CPC realça que desde a criação do organismo tem sido desenvolvido diligências para que o sistema de comunicação seja “efectivo e eficaz”, alertando-se periodicamente as entidades em causa para a necessidade de prestação dessa informação. Admite que o conselho não tem procurado saber o desfecho de casos que lhe foram reportados numa fase inicial e argumenta: “De acordo com a Lei do CPC há um dever de informação [das autoridades judiciais], verificando-se que se têm registado progressos no tocante a tais comunicações”.

Fonte: Público