Proposta para reorganizar tribunais é "catastrófica", acusam magistrados

Sindicato arrasa anteprojecto do Ministério da Justiça, alegando que o que funciona bem passará a funcionar mal e que a redução dos lugares de quadro dos magistrados paralisará o sistema.

A mais recente proposta de reorganização dos tribunais apresentada pelo Ministério da Justiça terá, a ser aplicada, consequências "catastróficas para o funcionamento do sistema judicial em Portugal", afirma o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, num parecer divulgado ontem.

O sindicato diz que a inexplicável redução de lugares de quadro dos magistrados conduzirá "à paralisação do sistema", constituindo "um dos exemplos mais flagrantes da forma autista como foi tratada esta matéria".

"O que hoje funciona bem, passará a funcionar mal; o que já funciona mal, ficará ainda pior", pode ler-se no parecer, que antevê um cenário em que os magistrados se tornarão "incapazes de desempenhar com qualidade e celeridade as suas funções, comprometendo o serviço prestado aos cidadãos e empresas".

"Para onde irão os magistrados "excedentários"?" - interrogam os sindicalistas. Não irão para a recuperação de processos pendentes, concluem, uma vez que essa tarefa será assegurada exclusivamente por juízes. Mas não ficam por aqui as dúvidas que o anteprojecto do Governo suscita a esta classe. Uma das normas do documento determina que, salvo algumas excepções, os processos pendentes não transitam para as novas secções resultantes da reorganização dos tribunais. "Ora, se todos os tribunais são extintos e se há processos que não transitam para as novas secções, para onde vão ou ficam estes? Lixo? Os magistrados ou os oficiais de justiça levam-nos para casa?", pergunta o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

As preocupações dos magistrados estendem-se aos direitos das populações. O parecer critica o facto de não estarem previstas secções de família e menores nas comarcas de Beja, Bragança, Guarda e Portalegre - apesar de a especialização dos tribunais ser uma das principais bandeiras desta reforma: "É uma área em que a especialização é verdadeiramente importante e todos os cidadãos a ela devem ter direito, ainda que vivam nas comarcas menos densamente povoadas". Reparo idêntico é feito às secções de pequena criminalidade. Ainda no que respeita ao mapa judiciário, "continua a haver excessiva centralização" dentro de cada comarca. O parecer defende a criação, em cada município, de secções das instâncias centrais sempre que o volume de serviço que aí exista justificar a afectação de um juiz ou de três, consoante a competência seja do tribunal singular ou colectivo.

Para o sindicato, o anteprojecto do Ministério da Justiça põe em causa a independência do Ministério Público relativamente à magistratura judicial, ao colocar os oficiais de justiça sob a alçada exclusiva dos juízes. "É claramente inconstitucional", observa o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, para quem a medida é absolutamente inaceitável. Perante isto, consideram os sindicalistas, de nada vale o anúncio da ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, de que quer consagrar na Constituição a autonomia das magistraturas.

No seu parecer, refutam ainda a ideia do Ministério da Justiça de que deve ser o magistrado do Ministério Público que elabora a acusação em determinado processo quem a deve sustentar em julgamento: "Daria uma errada imagem de pessoalização da perseguição criminal, como se fosse uma demanda pessoal do concreto magistrado acusador contra aquele arguido concreto". Além de desaconselhável, a proposta é também inviável: "Se os julgamentos fossem feitos por quem fez a acusação, todos estes magistrados passariam a fazer simultaneamente inquéritos, instruções e julgamentos. Quem despacharia os inquéritos quando estivessem em julgamento?". Para o sindicato, que marcou uma greve para o próximo dia 25, seria o fim da especialização e a desestruturação do Ministério Público na área criminal.

O Ministério da Justiça tem vindo a dizer que esta não é uma proposta fechada, estando ainda a receber contributos dos seus diversos interlocutores, com alguns dos quais tem agendadas reuniões. As garantias da ministra Paula Teixeira da Cruz de que não vai haver redução, mas sim aumento de magistrados ao serviço, não têm convencido os sindicatos.

Fonte: Público