MP denuncia ginásios, bancos e seguradoras com cláusulas abusivas

Contratação de cartões de crédito, seguros de vida e inscrições em ginásios são exemplos comuns de "negócios" com cláusulas abusivas

Base de dados online permitirá maior informação dos cidadãos, mas só inclui casos de Lisboa. Mário Frota defende criação de um site nacional único e de uso "amigável"

Na hora de assinar um contrato tipo, nem sempre há atenção às letras minúsculas que escondem, amiúde, cláusulas abusivas. Para combater a situação, a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL) passou a disponibilizar no seu site uma base de dados com casos exemplo. O acervo daquela procuradoria do Ministério Público (MP), com cerca de 70 casos, "destina-se a defender os interesses dos cidadãos" com dúvidas e que podem alegar, junto da empresa visada ou de um tribunal, que cláusulas semelhantes já foram declaradas nulas noutros processos.

A "listagem dos casos com decisão já transitada em julgado" visa dar "conhecimento aos cidadãos consumidores, de forma clara e concreta, do teor das cláusulas "abusivas" declaradas nulas, da empresa autora do contrato de adesão e respectivo sector de actividade e, desta forma, permitir-lhe, mais facilmente, fazer valer os seus direitos e opor-se à vigência das referidas cláusulas", explicou ao PÚBLICO o procurador José Branco destacado na PGDL. A base de dados inclui apenas decisões judicias da área de Lisboa.

O magistrado sublinha que os casos de contratos abusivos têm aumentado. Nos últimos quatro anos, a PGDL mandou averiguar 400 situações, tendo sido propostas 110 acções inibitórias contra empresas.

A maioria dos casos divulgados pelo MP visa ginásios, seguradoras, agências de viagens e bancos.

No mês passado, o Tribunal de Oeiras declarou nula a cláusula de um contrato de um ginásio que estabelecia que um cliente que quisesse rescindir contrato, por estar desempregado, não o poderia fazer, se a administração do clube não respondesse ao seu pedido em 30 dias. E, se respondesse, teria de pagar pelo menos metade da anuidade restante. No caso de um contrato de cartão de crédito, um banco obrigava o cliente a reportar de imediato o extravio ou roubo, mas responsabilizava-o pela primeira quantia paga com o cartão após a comunicação e até ao limite total do saldo.

Já em relação a seguros de vida, uma seguradora exigia que os beneficiários de um cliente falecido tivessem de ir à sua sede para receber eventuais montantes. A base de dados inclui ainda a anulação de uma cláusula de um operador de TV cabo que debitava 12 mensalidades a um cliente a quem outra pessoa tivesse desviado o sinal do operador mesmo que sem o seu conhecimento.

"O que a PGDL está a fazer é louvável, mas o registo não é nacional nem amigável", lamenta o presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC), Mário Frota. O também professor de Direito lembra que a lei exige desde 1985 o Registo Nacional de Cláusulas Abusivas (RNCA). "Esse registo existe, mas é pouco acessível aos cidadãos. Em vez de se duplicarem meios, deveria ser criado um sítio na Internet mais amigável, talvez na dependência da Procuradoria-Geral da República." Já o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Mouraz Lopes, elogia a "maior informação ao cidadão" e sublinha a importância de o meio ser mais "amigável". O PÚBLICO questionou a PGR, que, contudo, não respondeu em tempo útil.

José Branco admite que esse registo, que funciona no site das bases jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça - mais referenciado entre utilizadores do meio judicial - "deverá ser melhorado" para "ser mais amigável para consulta do cidadão".

A APDC apresentou no final do mês passado ao Governo dez propostas de alteração ao regime das cláusulas abusivas. Entre elas, a associação sugere que se reestruture o RNCA, crie a Comissão das Cláusulas Abusivas, que seja possível aplicar multas às empresas que insistam nesses abusos. A APDC pretende ainda que a decisão de um caso julgado abranja todos os outros contratos semelhantes.

Fonte: Público