Direito à Identidade não tem prazo: TC diz que limite temporal para investigar paternidade é inconstitucional

É uma reviravolta num tema que tem gerado controvérsia na Justiça e que se tornou mais mediático após uma Grande Reportagem da SIC sobre o caso de Andrew Salgueiro Maia.

Num acórdão do Tribunal Constitucional de dia 17, a que a SIC teve acesso, sete juízes contra seis votaram pela inconstitucionalidade da norma da lei do Código Civil que prevê um prazo máximo de 10 anos, após a maioridade, para alguém avançar com uma ação de investigação da paternidade.

Este processo em concreto teve origem no caso de um homem, filho de pai incógnito, que foi a tribunal indicar a pessoa que, apenas em 2021, soube ser o seu verdadeiro progenitor. O presumível pai contestou a ação, mas foi obrigado a fazer um exame genético, cujo resultado foi peremptório: "Apurou-se probabilidade de o réu ser pai do autor de 99,999999999995%".

A primeira instância declarou a paternidade e ordenou o averbamento no registo de nascimento. Mas a decisão seria revogada pelo Tribunal da Relação de Évora, que entendeu que o autor da ação tinha, afinal, tido conhecimento da paternidade em data incerta - mas entre 2014 e 2015, altura em que já estava ultrapassado o prazo especial de caducidade, fixado no Código Civil.

Chegado ao Supremo, o processo deu mais uma reviravolta. Num acórdão de 30 de outubro de 2023, um coletivo presidido pela conselheira Maria Clara Sottomayor arrasou a imposição de prazos.

"A pessoa humana, à luz dos valores da Constituição, deve ter o direito de, em qualquer momento da sua vida, questionar o Estado sobre quem é e quem são os seus progenitores biológicos. Os motivos que teve para só numa fase tardia da vida intentar a ação de investigação da paternidade dizem respeito ao seu foro íntimo e estão relacionados com a sua história e a dos seus pais biológicos. Por dizerem respeito à dignidade mais profunda do ser humano – o direito a saber quem é e de onde veio – o Estado não tem legitimidade para avaliar e hierarquizar estes motivos em função do decurso do tempo (ou de qualquer outro critério), fixando um prazo para o exercício do direito da ação de investigação da paternidade."
O Tribunal Constitucional e o argumento do avanço da ciência
O Supremo fez ressuscitar o acórdão de primeira instância, contudo, a história não acabaria aqui. O Ministério Público do Supremo recorreu para o Tribunal Constitucional, mas, no Palácio Ratton, o procurador-geral adjunto tinha afinal um entendimento completamente oposto ao do colega.

"As ações de investigação da paternidade devem poder ser instauradas a todo o tempo, sendo constitucionalmente ilegítima qualquer limitação temporal para o exercício destes direitos", entendeu Luís Eloy, procurador-geral adjunto do Tribunal Constitucional.

A tese já tinha sido acolhida em janeiro, numa decisão de uma secção do TC, e recolheu agora a maioria entre os 13 juízes, quando o caso chegou ao plenário.

O avanço da ciência e dos testes de ADN é uma das principais razões para o Tribunal deixar cair os argumentos que existiam a favor dos prazos.

"Os interesses tradicionalmente apontados para a existência de prazos de caducidade claudicam, hoje, desde logo, e em primeiro lugar, porque os meios de prova ao dispor se apresentam como fiáveis e duradouros", é referido no acórdão do TC, com a data de 17 de junho de 2025.

"Não se pode, igualmente, argumentar que, através de tal prazo de caducidade, se proteja o investigado, assim como a sua família, de interesses oportunistas pois que (...) não é pelo decurso do tempo que diminui ou aumenta uma tal eventual motivação, antes pelo contrário, imbuídos que estejam por interesses mais imediatos, não serão estes que deixarão, certamente, passar prazos de caducidade; estarão mais atentos", lê-se ainda.

Este acórdão do Tribunal Constitucional não terá consequência direta no caso de Andrew Salgueiro Maia, mas dá uma esperança ao luso-americano.

A decisão pode ser decisiva para o Parlamento fazer uma alteração à lei e abre assim caminho para que Andrew volte a pedir à Justiça que reconheça, finalmente, que é filho de Salgueiro Maia.

Fonte: Sic Notícias