SEDES propõe revisão constitucional na Defesa, mas sem atingir consensos

Relatório da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social argumenta que um “mundo em mudança” implica adaptar a lei para as Forças Armadas e de segurança, incluindo rever as opções de recrutamento.

O relatório anual do Observatório de Segurança e Defesa (OSD) da SEDES - Associação para o Desenvolvimento Económico e Social propõe uma revisão constitucional para que a lei fundamental inclua “um conceito de Segurança Nacional com uma natureza holística”, para substituir a dicotomia Segurança Interna e Defesa Nacional, “dotando o Sistema de Segurança Nacional de instrumentos constitucionais que permitam responder, de forma coordenada e integrada, aos desafios contemporâneos”. Ao DN, o general João Vieira Borges, que assina o documento, explicou que o anacronismo de recorrer a estas duas designações, “na prática, já não existe”. Por outro lado, o constitucio- nalista e também membro da SEDES Vitalino Canas argumenta que os aspetos salientados no relatório “não justificam a abertura de um processo de revisão constitucional”.

João Vieira Borges explica que “não tem havido condições para haver revisão constitucional”, apesar de já ter havido sete desde que a lei fundamental foi criada. Isto torna-se mais evidente quando se trata de “uma revisão que tem implicações a vários níveis, inclusivamente também nas competências do próprio Presidente da República, do Governo e da Assembleia da República, nas áreas da Segurança e Defesa, a partir do momento em que há a tal visão mais global, uma natureza holística da Segurança Nacional, como já acontece em França”, lembra.

Neste ponto de revisão da Constituição, as propostas do relatório da SEDES passam por, para além de criar o conceito de Segurança Nacional e eliminar a “dicotomia constitucional Segurança Interna/Defesa Nacional”, reconhecer a Segurança Nacional como tarefa fundamental do Estado, instituir o “Conselho de Segurança Nacional como órgão de consulta do Presidente da República” e estabelecer um novo Estado de Exceção, juntando-se uma terceira opção aos já existentes Estado de Sítio e Estado de Emergência.

Este último ponto, explica João Vieira Borges, “foi muito difícil trabalhar”, porque implica mexer nas “liberdades e garantias”. No entanto, considera ser necessário criar um Estado de Exceção que “limite menos, que é importante em situações como a covid-19”.

Se houver alterações à Constituição na área da Defesa, “teriam de ser introduzidas aproveitando um processo aberto para outras questões”, diz Vitalino Canas, esclarecendo que é “muito reticente em relação a revisões constitucionais que não tenham um conteúdo e um alcance substantivo bastante visível”.

Sobre a criação de um terceiro Estado de Exceção, “se a Constituição prevê o mais, também prevê o menos”, defende. “Portanto não creio que fosse necessário fazer-se uma revisão constitucional para prever um novo Estado de Exceção”, remata.

O professor de direito também deixa claro que os seus argumentos não significam que não esteja de acordo com as propostas de revisão constitucional, mas “há aqui questões que são, no essencial, de natureza concetual”.

Para o constitucionalista, “só as pessoas que estão envolvidas com estes setores é que compreendem o que é que se está a dizer”, sublinha, explicando “que os atuais agentes de segurança interna já têm de ter preocupações que são atinentes também à Defesa Nacional”, do mesmo modo que os “agentes de defesa nacional não podem deixar de ter em conta também questões relacionadas com a Segurança Interna, só que não se deu ainda o passo de fazer com que estes dois grandes setores tivessem maior articulação”.

Para além de tudo isto, continua, “já foram introduzidas algumas alterações que implicam, por exemplo, que as Forças Armadas tenham maior intervenção em missões de proteção civil”.

“Acho que a Constituição, tal como está, já tem aberturas suficientes para que haja uma maior articulação entre essas duas valências”, defende, referindo-se à relação entre Segurança Interna e Defesa Nacional.

O relatório da SEDES, para além de propor a revisão da Constituição, ainda sugere encontrar “soluções para recrutar/reter militares, guardas e polícias”, criar um “modelo de Serviço Nacional de Cidadania mais adequado para Portugal” e “discutir a “sustentabilidade das Forças Armadas e avaliação de risco para a sua operacionalidade”.

Fonte: Diário de Notícias
Foto: Nuno Brites / Global Imagens