Multa até 250 mil euros. Proteção de denunciantes já é lei. Saiba o que está em causa
O que muda, quando tem de estar implementada, o que acontece a empresas que não cumpram? O novo regime geral de proteção de denunciantes de infrações em cinco respostas.
Por Ana Rita Duarte de Campos, sócia contratada, e Rafaela Oliveira, associada, da Abreu Advogados.
1. O que prevê este regime?
A Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva UE 2019/1937 e vem estabelecer um novo regime geral de proteção de denunciantes de infrações, mas insere-se num esforço mais lato de combate à violenta, especialmente violenta e altamente organizada, bem como à criminalidade económica e financeira.
A referida Lei aplica-se a empresas e colaboradores, bem como a terceiros que contratem com umas e outros, abrangendo entidades públicas privadas. O objetivo desta Lei é garantir que quem se encontra numa posição privilegiada para tomar conhecimento de factos ilícitos e que os denuncie não seja alvo de retaliações, com incidência na sua situação laboral.
Neste contexto, poderão ser considerados denunciantes, designadamente:
a) Os trabalhadores do setor privado, social ou público;
b) Os prestadores de serviços, contratantes, subcontratantes e fornecedores, bem como quaisquer pessoas que atuem sob a sua supervisão e direção;
c) Os titulares de participações sociais e as pessoas pertencentes a órgãos de administração ou de gestão ou a órgãos fiscais ou de supervisão de pessoas coletivas, incluindo membros não executivos;
d) Voluntários e estagiários, remunerados ou não remunerados.
A Lei prevê a proteção dos denunciantes de 5 tipos de infrações:
a) Atos ou omissões contrários a regras constantes dos atos da União Europeia referidos no anexo da Diretiva EU 2019/1937 e das normas nacionais que executem, transponham ou deem cumprimento, incluindo as que prevejam crimes ou contraordenações, referentes aos domínios da contratação pública, serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, segurança e conformidade dos produtos, segurança dos transportes, proteção do ambiente, saúde pública, defesa do consumidor, proteção de dados, entre outras;
b) Qualquer ato ou omissão contrário e lesivo dos interesses financeiros da União Europeia, mormente a fraude;
c) Qualquer ato ou omissão contrário às regras do mercado interno, incluindo regras de concorrência, auxílios estatais e fiscalidade societária;
d) Criminalidade violenta, especialmente violenta e altamente organizada e criminalidade económico-financeira.
e) Atos ou omissões contrários ao objetivo das regras ou normas abrangidas em (i) a (iii).
2. Quando tem de estar totalmente implementado?
Este regime irá entrar em vigor a 18 de junho de 2022. No entanto, durante o primeiro semestre é dado um prazo de adaptação às entidades abrangidas para implementação de todos os procedimentos.
3. Que penalização podem sofrer empresas que não cumpram?
O quadro sancionatório previsto para a não adoção de mecanismos de compliance e, consequentemente, a verificação de violações às obrigações presentes nesta Lei poderá consubstanciar contraordenações com coimas pesadas:
a) Contraordenações muito graves, puníveis com coimas de € 1.000,00 a € 250.000,00;
b) Contraordenações graves, puníveis com coimas de € 500,00 a € 125.000,00.
A tentativa e a negligência são puníveis, sendo, em tais casos, os limites máximos das coimas reduzidos para metade.
4. A que estão empresas e colaboradores obrigados?
As entidades obrigadas a dispor de canais de denúncia interna são as pessoas coletivas, incluindo o Estado e as demais pessoas coletivas de Direito público, que empreguem 50 ou mais trabalhadores e, independentemente disso, as entidades contempladas no âmbito de aplicação dos atos da União Europeia referidos na parte I.B e II do anexo da Diretiva UE 2019/1937.
Estão também aqui abrangidas as sucursais situadas em território nacional de pessoas coletivas com sede no estrangeiro, o Estado e as regiões autónomas.
A Lei prevê, ainda, que as entidades que não sejam de Direito público e que empreguem entre 50 e 249 trabalhadores podem partilhar recursos no que respeita à receção de denúncias e ao respetivo seguimento.
Já em relação às autarquias locais, aquelas que embora empreguem 50 ou mais trabalhadores, tenham menos de 10 000 habitantes, não são obrigadas a dispor de canais de denúncia.
Em suma, estas entidades devem cumprir as seguintes obrigações:
a) Criação de um canal de denúncia interna que garanta a possibilidade de denúncia a todos os trabalhadores, de forma anónima ou com identificação, por escrito e/ou verbalmente;
b) Manter registos das denúncias recebidas por um período mínimo de 5 anos;
c) Manter a confidencialidade sobre a identidade do denunciante;
d) Notificar o denunciante da receção da denúncia no prazo de 7 dias e informá-lo da possibilidade e requisitos para a apresentação de denúncia externa, bem como das autoridades competentes para a receber;
e) Abster-se da prática de atos retaliatórios contra o denunciante.
A Lei prevê, ainda, a proibição da prática de atos de retaliação contra o denunciante, entendendo-se por atos de retaliação aqueles que, direta ou indiretamente, ocorridos em contexto profissional e motivados por denúncia, causem ou possam causar ao denunciante, de modo injustificado, danos patrimoniais ou não patrimoniais.
Neste contexto, a Lei presume que certos atos são motivados por denúncia até prova em contrário quando praticados até dois anos após a denúncia, nomeadamente:
a) Alterações das condições de trabalho, tais como funções, horário, local de trabalho ou retribuição, não promoção do trabalhador ou incumprimento de deveres laborais;
b) Suspensão de contrato de trabalho;
c) Avaliação negativa de desempenho ou referência negativa para fins de emprego;
d) Não conversão de um contrato de trabalho a termo num contrato sem termo, sempre que o trabalhador tivesse expectativas legítimas nessa conversão;
e) Não renovação de um contrato de trabalho a termo;
f) Despedimento;
g) Inclusão numa lista, com base em acordo à escala setorial, que possa levar à impossibilidade de, no futuro, o denunciante encontrar emprego no setor ou indústria em causa;
h) Resolução de contrato de fornecimento ou de prestação de serviços;
i) Revogação de ato ou resolução de contrato administrativo, conforme definidos nos termos do Código do Procedimento Administrativo.
Caso o disposto na Lei não seja observado, poderão ser aplicadas coimas cujo valor pode variar entre os €10 000 e os €125 000 para pessoas coletivas e os €1 000 e os €12 500 para pessoas singulares.
5. Que papel têm os advogados na aplicação neste novo regime?
Os advogados têm o importante papel de assessorar as empresas no processo de adoção e implementação dos procedimentos, numa lógica de Compliance, colaborando com as entidades abrangidas no cumprimento da legalidade.
Este regime de proteção de denunciantes não colide com os deveres aos quais o Advogado se mantém adstrito no âmbito da sua profissão, não interferindo, portanto, com o seu segredo profissional.
Fonte: Dinheiro Vivo