Vítimas de violência doméstica em risco com nova lei das comunicações electrónicas, alerta Protecção de Dados

O novo diploma das Comunicações Electrónicas não proíbe a divulgação de chamadas feitas para linhas de apoio na factura detalhada e é um retrocesso, alerta Comissão Nacional de Protecção de Dados.

A nova proposta de lei das Comunicações Electrónicas, que foi entregue pelo Governo no Parlamento, pode colocar em risco as vítimas de violência doméstica, ao expô-las perante o agressor, avança o Jornal de Noticias (JN).

Num parecer enviado ao Parlamento, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) condena o facto de o diploma não proibir a divulgação de chamadas feitas para linhas de apoio na factura detalhada das telecomunicações, o que considera um retrocesso face ao quadro legal em vigor.

Refere o JN que 61,8% dos pedidos de ajuda feitos à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) foram através de contacto telefónico em 2021, correspondendo a mais de 9500 solicitações.

No parecer enviado ao Parlamento, a CNPD chama a atenção para o número 5 do artigo 122.º daquela proposta de lei, no qual se lê que, “nas facturas detalhadas, não é exigível a identificação das chamadas facultadas a título gratuito, incluindo as chamadas para serviços de assistência”.

Para a CNPD, “não ser exigível não é o mesmo que ser proibido ou não dever constar” da factura do telemóvel e tal formulação “impacta significativamente nos direitos e liberdades dos utilizadores, em especial quantos os utilizadores integrem o mesmo agregado familiar, por não garantir a ocultação de chamadas de assistência e apoio, por exemplo, em contexto de violência doméstica”

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) já reagiu a esta situação através do seu presidente João Lázaro, que em declarações à Lusa, disse que será “claramente um obstáculo para alguém que sofre um crime”.

“Estamos a falar de situações de violência intrafamiliar -- violência doméstica, violência dos pais contra os filhos, violência contra as pessoas idosas -- e que, ao registarem, são claramente controlados e podem ser mais vitimizados e até de uma forma mais severa, quiçá, até fatal por parte de quem exerce o crime”, afirmou, acrescentando que o que está em causa “é atentar contra a protecção das vítimas de crime, contrariamente ao que acontecia, sendo apenas uma faculdade os números das linhas de apoio e aconselhamento não aparecerem”.

“Isso é deixado à discrição dos operadores privados de telecomunicações”, observou João Lázaro, sem deixar de apontar a “desatenção no processo de elaboração” da proposta, além da “falta de diálogo e auscultação de parceiros e entidades”, como a APAV.

A situação foi exposta este sábado pelo Jornal de Notícias, mas João Lázaro acredita que o facto de o processo legislativo não estar fechado pode ainda permitir a correcção de “uma falta de visão global da acção governativa quando diz respeito aos direitos, às necessidades e aos interesses da vítima”.

João Lázaro referiu que a APAV vai fazer-se ouvir junto dos deputados para garantir que ligar para uma linha de apoio “não possa ser mais um elemento de agressão”.

“Muitas vezes somos convidados, se não formos, claramente bateremos à porta para comunicar o nosso ponto de vista sobre o que deve ser neste caso o texto correcto de salvaguarda dos direitos da vítima”, finaliza.



Fonte: Público
Foto: Paulo Pimenta