Alteração de nome e de sexo no registo civil bate recordes em 2021

No Dia da Visibilidade Trans, comunidade pede maior acesso aos cuidados de saúde. E querem que se reconheça estatuto a quem não se sente homem ou mulher

Quase quatro centenas de pessoas mudaram o nome e o sexo no registo civil em 2021 em Portugal. Foi o ano em que mais transexuais alteraram a identidade, mais 71,4 % do que em 2020, e são maioritariamente do sexo feminino para o masculino. O que demonstra que a lei acompanha melhor esta realidade do que outras áreas, como a social e a sanitária. A lista de espera para as operações no Serviço Nacional de Saúde é grande e maior ficou com a pandemia. Um dos problemas contra o qual lutam, particularmente hoje, Dia da Visibilidade Trans. Mantendo o desejo de passar a existir o reconhecimento dos não-binários.

"A sociedade, de certa forma, está a criar um ambiente inclusivo. Temos mais pessoas contra, mas também mais que são respeitadoras dos direitos individuais. Por outro lado, esse aumento é o reflexo da lei de 2018. Passados quatro anos, é normal que os números estejam a aumentar, já que até aí era um processo muito mais burocrático e evasivo", explica ao DN Jo Rodrigues, 26 anos, médico no primeiro ano de internado, presidente da associação Anémona. Foi criada especificamente para a promoção da saúde na comunidade LGBTI+.

Maior visibilidade, também em Portugal, onde se juntaram cinco associações na convocação de manifestações em Lisboa e no Porto. Hoje, às 18.00 com uma concentração na praça D. João I, a Norte, e às 19.00 num desfile entre as praças Luís de Camões e da Figueira, na capital. Ações de rua que "gritam visibilidade, dignidade e autonomia para as pessoas trans". Sublinham em manifesto: "Lutamos pela autodeterminação e pela possibilidade de contarmos as nossas histórias, decidirmos sobre os nossos corpos e vidas."

Mais feminino para masculino

Os cidadãos trans portugueses podem mudar o nome no registo civil desde 2011, mas foi a partir de 2018 que o processo agilizou. Além de passar a permitir a alteração para quem tem entre 16 e 18 anos, através dos representantes legais, quase 1600 no total cumpriram o processo. Mas são poucos os que conseguem fazem os procedimentos cirúrgicos para a mudança de identidade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), atualmente a cargo do Centro Hospitalar e Universitário e Coimbra, na Unidade de Reconstrução Genito-Urinária e Sexual (URGUS).

O serviço é coordenado por Susana Pinheiro, que informa serem 83 as pessoas que estão em lista de espera. Concluiu-se assim que quem quer fazer cirurgias recorre ao setor privado. A situação agravou-se com a pandemia e, em 2020 e nos primeiros quatro meses de 2021, a atividade parou. Apenas em maio de 2021 "foi possível retomar a atividade cirúrgica de uma forma regular".

54 cirurgias em 2021
Em 2020, foram realizadas 13 cirurgias (principais procedimentos: 2 vaginoplastias, 1 faloplastia, 5 histerectomias e anexectomias bilaterais). Em 2021, foram realizadas 54: 15 vaginoplastias, 4 faloplastias e 10 histerectomias e anexectomias bilaterais com ou sem vaginectomia.

Jaime Moura, 19 anos, estudante de psicologia, da Rede Exaequo, outra das associações envolvidas nas ações de rua, salienta que a saúde é uma das áreas em que se sente maior discriminação. "Em Portugal, é limitado o acesso aos cuidados de saúde, existem poucos profissionais preparados interagir com as pessoas trans e não é apenas do ponto de vista clínico. E as cirurgias demoram anos".

Exemplifica Jo Rodrigues: "São pedidos exames só por pura curiosidade, utilizados termos menos dignificantes, nega-se a identidade de pessoa, etc. As próprias listas de espera demoram anos e só por si são uma barreira no acesso à saúde". Quando pedem o atestado médico para tirar a carta de condução, nem sempre há a atualização da mudança de registo e há profissionais que insistem em identificar a pessoa pelo nome anterior.

67 cirurgias em 2020 e 2021

A primeira consulta na URGUS tem um tempo médio de espera de três meses, assegura Susana Pinheiro. "No entanto, a procura tem sido crescente, colocando mais pressão sobre os tempos de espera. O tempo que medeia entre a primeira consulta, que será sempre de sexologia, e a primeira intervenção cirúrgica é muito variável, dependendo se a pessoa transexual está a iniciar o processo na URGUS ou se já vem referenciada de outra consulta de sexologia/endocrinologia apenas para a realização de cirurgias", explica. Habitualmente, a primeira cirurgia nas pessoas trans masculinas é a mastectomia bilateral (remoção da mama) e nas trans femininas é a cirurgia genital.

Além do acesso à saúde, a comunidade trans reivindica segurança, o acesso ao trabalhos e a uma habitação digna. Querem, também que seja alterada a legislação para quem não se identifica com o sexo feminino ou masculino. "As pessoas não-binárias não são reconhecidas, queremos esse reconhecimento. Portugal que tem sido inovador, nomeadamente na lei da Autodeterminação de Género, e agora poderia fazer essa alteração legislativa, à semelhança do que já acontece em outros países", defende Jo Rodrigues, transexual não-binário. O que faria com que não precisassem de dizer se são do sexo feminino ou masculino (pôr M ou F)no Cartão de Cidadão, o que não era referido no Bilhete de Identidade.

Fonte: Diário de Notícias