Vai começar um debate nacional sobre a Lei do Clima e o Património Comum da Humanidade
Grandes empresas, administração pública, sociedade civil e ONG vão discutir na Fundação Cidade de Lisboa as implicações da recente Lei de Bases do Clima na sociedade portuguesa
Abrir um debate na sociedade portuguesa sobre o tema “Lei do Clima e Património Comum” é o objetivo do workshop que se vai realizar a 14 de março, às 17h30, na Fundação Cidade de Lisboa.O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, enviará uma mensagem gravada em vídeo sobre o significado da evolução do direito internacional com o reconhecimento pioneiro do clima como Património Comum da Humanidade na legislação portuguesa, bem como o papel determinante que Portugal poderá ter neste processo a nível global.
A iniciativa pretende reunir representantes das grandes empresas, administração pública, sociedade civil e ONG, de modo a estimular o debate “entre os vários setores da sociedade portuguesa sobre os desafios que a recente Lei de Bases do Clima representa”, afirma um comunicado da Casa Comum da Humanidade (CCH), Centro de Investigação Jurídico-Económica da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (CIJE) e Associação Business as Nature, organizações promotoras do encontro.
Conferência internacional em outubro no Porto
Depois deste workshop será apresentada, também na Fundação Cidade de Lisboa, a conferência internacional sobre “Clima, um Património Comum” (“Climate, a Common Heritage“), prevista para outubro de 2022 no Porto. A conferência irá discutir as implicações que o novo estatuto jurídico do clima como Património Comum da Humanidade poderá ter a todos os níveis – nas relações internacionais, na economia, no combate às alterações climáticas, na governança global – no contexto do recente relatório do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, sobre “A Nossa Agenda Comum”.
Além da mensagem do Presidente da República, o workshop conta com as intervenções de Alexandra Carvalho (secretária-geral do Ministério do Ambiente), Alexandre Quintanilha (deputado do PS e professor catedrático jubilado do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar), Viriato Soromenho-Marques (professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), Filipe Duarte Santos (presidente do Conselho Nacional para o Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável) e Paulo Magalhães (diretor-geral da Casa Comum da Humanidade e investigador da Universidade do Porto), com a moderação de Luísa Schmidt (colunista do Expresso e professora do Instituto de Ciências Sociais). Estarão também presentes no evento Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e Nuno Banza, presidente do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).
“Quando as alterações climáticas entraram pela primeira vez na agenda da ONU, colocou-se de imediato uma questão primordial – o que é um clima estável do ponto de vista jurídico”, conta Paulo Magalhães ao Expresso. “A primeira proposta foi no sentido de o considerar no direito internacional como ‘Património Comum da Humanidade’. Mas as Nações Unidas acabaram por optar apenas por o caraterizar como uma ‘Preocupação Comum da Humanidade’, conceito vago que se mantém no Acordo de Paris de 2015 hoje em vigor”. A verdade é que desde a sua formulação inicial se invocava a necessidade do seu aprofundamento e a concretização em termos de direitos e deveres decorrentes deste estatuto jurídico. “Mas passados mais de 30 anos de negociações climáticas promovidas pela ONU, esta concretização continua sem resposta”.
Todo este debate ocorre num contexto de emergência climática, económica e pandémica, agravado pela guerra na Ucrânia, com uma situação de seca em Portugal e os cenários globais cada vez mais preocupantes do recente relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) da ONU. António Guterres afirmou que este relatório “é uma prova do fracasso da liderança sobre o clima”.
Precisamos de um Conselho de Segurança ambiental na ONU
Viriato Soromenho Marques afirma que “não faz sentido nenhum estarmos hoje nesta corrida aos recursos energéticos estratégicos de origem fóssil, porque as emissões de CO2 libertadas espalham-se uniformemente pela atmosfera, um Património Comum onde não há fronteiras nacionais, o que significa que o seu impacto é sentido por todos”. O professor da Universidade de Lisboa defende que “precisamos de um sistema internacional de dissuasão climática e ambiental que nos leve à cooperação obrigatória entre todos os Estados-membros da ONU, porque até agora só os países da União Europeia e a China têm estado a sério como membros ativos neste processo”. Ou seja, “precisamos também do envolvimento dos EUA e da Rússia, numa espécie de Conselho de Segurança ambiental das Nações Unidas, para impedir que a Guerra Fria se eternize, desviando financiamentos, recursos, investigação científica e atenção. E consumindo tempo, porque o relógio da crise climática não desaparece”.
Depois da I Guerra Mundial “foi criada a Sociedade das Nações, depois da II Guerra Mundial foi criada a ONU e agora, com uma nova guerra na Europa e uma emergência climática, é uma oportunidade para criarmos um novo sistema de governança global para o século XXI”, sublinha Paulo Magalhães.
Lei portuguesa é pioneira a nível mundial
Recorde-se que em novembro de 2021 foi aprovada no Parlamento a Lei de Bases do Clima, que entrou em vigor a 1 de fevereiro de 2022, onde consta como objetivo da diplomacia climática o reconhecimento do clima como Património Comum da Humanidade. Portugal adotou-o assim como uma causa nacional e tornou-se pioneiro no processo de reabrir a discussão mundial do seu estatuto jurídico, como uma questão fulcral para a construção de um futuro comum. De facto, este reconhecimento implica a definição em concreto do clima estável como bem jurídico de Direito Internacional que deve ser gerido como bem comum, tornando visíveis não apenas os danos causados pelas atividades humanas, mas principalmente os benefícios positivos aí gerados, o que é uma condição estrutural para criar uma nova economia capaz de restaurar e manter esse clima estável.
Esta visão está a ganhar um consenso crescente na sociedade civil internacional. Assim, um grande consórcio de ONG de todo o Mundo liderado por quatro organizações, incluindo a Casa Comum da Humanidade, pretende apresentar uma Declaração da Sociedade Civil em junho na cimeira “Estocolmo+50”, um evento promovido pela ONU para assinalar os 50 anos da Conferência de Estocolmo, que lançou o Programa das Nações Unidas para o Ambiente. Um dos pontos desta declaração defende precisamente o reconhecimento do clima como Património Comum da Humanidade e a necessidade de evolução dos bens naturais comuns (Global Commons) como a biodiversidade, a atmosfera ou o clima em termos de governança internacional. Paulo Magalhães salienta que “estamos num momento único para restaurarmos este Património Comum”.
Fonte: Expresso
Foto: Getty Images