Portugal tributou ilegalmente dividendos, considera Tribunal de Justiça da UE
Tribunal de Justiça da União Europeia dá razão a recurso da Real Vida Seguros, considerando que o Estado violou liberdade de circulação de capitais na aplicação da legislação sobre dividendos.
E ntre 1989 e 2008 constou no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) um artigo que isentava de tributação 50% dos dividendos recebidos de empresas cotadas em bolsa, com o objetivo de incentivar o mercado de capitais. A disposição está na base de um diferendo entre a Real Vida Seguros e o Fisco, com o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a manter a decisão daquele último. O caso foi parar ao Tribunal de Justiça da União Europeia, que agora deu razão à seguradora.
O caso remonta a 1999 e 2000, quando a Real Vida Seguros, com sede no Porto procedeu aÌ deduçaÌo de 50% dos dividendos recebidos de açoÌes admitidas aÌ negociaçaÌo no mercado bolsista portugueÌs e em mercados estrangeiros no resultado líquido. Na sequência de uma inspeção tributária, a seguradora teve de pagar mais 24.185 euros referentes aos dois exercícios, porque o Fisco entendeu que a isenção não abrangia a remuneração acionista recebida de empresas cotadas fora de Portugal.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deu razão ao Fisco, considerando que o então artigo 31.ºdo EBF era aplicável apenas aos dividendos auferidos de empresas da bolsa portuguesa. A Real Vida Seguros interpoÌs recurso no Supremo Tribunal Administrativo, alegando que o artigo não faz referência aÌ origem dos dividendos e qualquer distinçaÌo nesse sentido seria contraÌria ao direito da UniaÌo, uma vez que tal aplicaçaÌo desse benefiÌcio fiscal violaria a livre circulaçaÌo de capitais.
O Supremo Tribunal Administrativo manteve a interpretação do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, argumentado que a distinção se baseia no facto de o objetivo do artigo ser “incentivar ou desenvolver o mercado de capitais”, prosseguindo “um interesse puÌblico relevante, que eÌ superior ao da proÌpria tributaçaÌo”. Ainda assim, fez um pedido prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, que deu razão à Real Vida Seguros.
O acórdão declara que “eÌ contraÌria aÌ liberdade de circulaçaÌo de capitais a praÌtica fiscal de um Estado-Membro segundo a qual, para efeitos da determinaçaÌo da mateÌria coletaÌvel do imposto sobre o rendimento de um contribuinte, os dividendos auferidos com açoÌes admitidas aÌ negociaçaÌo no mercado bolsista desse Estado-membro soÌ contam por 50 % do seu montante, ao passo que os dividendos auferidos com açoÌes admitidas aÌ negociaçaÌo nos mercados bolsistas dos outros Estados-membros saÌo tomados em conta na totalidade”.
Segundo o comunicado divulgado esta quinta-feira, o Governo português contestou “a existeÌncia de uma restriçaÌo aÌ livre circulaçaÌo de capitais alegando que, durante o periÌodo de aplicaçaÌo do artigo 31.° do EBF, o acesso ao mercado bolsista portugueÌs estava aberto a qualquer pessoa singular ou coletiva de qualquer Estado-Membro ou de um Estado terceiro”. Argumento que não colheu junto do Tribunal com sede no Luxemburgo, que considera que as empresas têm, por regra, as ações admitidas nos seus mercados nacionais, como é, de resto, o caso de Portugal, onde o número de cotadas estrangeiras era e é residual.
Para o Tribunal, “haÌ que considerar que a praÌtica fiscal segundo a qual o beneficiaÌrio de dividendos auferidos com açoÌes admitidas aÌ negociaçaÌo podia, para efeitos da determinaçaÌo da mateÌria coletaÌvel do imposto sobre o rendimento, deduzir parcialmente esses dividendos, na condiçaÌo, todavia, de as açoÌes geradoras dos referidos dividendos estarem admitidas aÌ negociaçaÌo no mercado bolsista portugueÌs, era suscetiÌvel de dissuadir as pessoas elegiÌveis para o benefiÌcio fiscal previsto no artigo 31.° do EBF de fazer investimentos em sociedades naÌo residentes e constitui, por conseguinte, uma restriçaÌo aÌ livre circulaçaÌo de capitais proibida, em princiÌpio, pelo artigo 63.° TFUE”.
O acórdão responde também ao argumento do interesse público relevante, de desenvolvimento do mercado de capitais português. O Tribunal de Justiça “lembra que um objetivo de natureza puramente econoÌmica naÌo pode justificar uma restriçaÌo a uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”.
“Mesmo admitindo que tal objetivo seja considerado admissiÌvel, o Tribunal de Justiça observa que naÌo foi apresentada nenhuma indicaçaÌo que sugira que este objetivo naÌo teria sido atingido se o benefiÌcio fiscal previsto pela regulamentaçaÌo nacional em causa tivesse sido igualmente aplicado aos dividendos auferidos com açoÌes admitidas aÌ negociaçaÌo nos mercados bolsistas estrangeiros e que, portanto, teria sido indispensaÌvel excluir esses dividendos desse benefiÌcio fiscal”, aduz.
Fonte: ECO
Foto: Yves Herman/File Photo/Reuters Business