Fisco obrigado a manter desconto de 75% no ISV de híbridos importados
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Contribuinte ganha caso inédito na justiça que pode ter implicações na importação destas motorizações. Autoridade Tributária terá de devolver mais de 2600 euros com juros por imposto cobrado em excesso
A Autoridade Tributária (AT) foi recentemente condenada a devolver 2631,73 euros a um cidadão estrangeiro residente no Algarve, correspondente a 75% do Imposto sobre Veículos (ISV) cobrado por um carro híbrido plug-in importado em 2021.
O proprietário pagou 100% do ISV, mas contestou a liquidação. Entendia que, dada a primeira matrícula ser de 2019, deveria ter direito a um desconto de 75% no ISV, conforme era a regra em vigor até 31 de Dezembro de 2020. O tribunal arbitral deu-lhe razão, numa decisão inédita em Portugal, condenando o AEsco a pagar também juros indemnizatórios.
O acórdão só transitará em julgado em meados de Setembro, devido às férias judiciais, e se a AT entretanto não recorrer. Mas permite perceber duas coisas: que a AT continua a ser condenada em tribunal em matéria de impostos sobre carros; e que a importação de híbridos (a categoria de carros que mais tem crescido em Portugal) de um país da UE e com matrícula anterior a 1 de Janeiro de 2021 dá direito, segundo esta sentença, a pagar um ISV mais baixo, de 25%.
O advogado que defendeu o contribuinte, Paulo Carido, vê semelhanças entre este caso e a actuação da AT até 2020 no Imposto Único de Circulação, cujas regras tiveram de ser mudadas com devolução parcial de quatro anos de imposto a milhares de contribuintes lesados. O Estado está, também, no banco dos réus por causa do ISV, num processo movido pela Comissão Europeia e que terá sentença em Setembro (ver caixa).
Em causa naquela decisão mais recente estava a importação de um Mercedes Classe E, matriculado em 2019 na Alemanha e que chegou a Portugal em 2021. Equipado com motor híbrido plug-in (eléctrico e gasóleo), apresentava emissões de CO2 de 44g/km e uma autonomia em modo eléctrico de 45-48km em meio unicamente urbano.
Pelas regras do ISV até Dezembro de 2020, este carro só pagaria 25% de ISV. Desde 2015, o Estado dava um desconto aos híbridos com autonomia mínima em modo eléctrico de 25km. carro ter sido introduzido em Portugal em Fevereiro, depois da mudança do ISV, e de o veículo ter uma autonomia eléctrica abaixo dos 50km.
Porém, o árbitro escolhido para este processo discordou. Guilherme W. Oliveira Martins, jurista, antigo governante do PS, consultor do Ministério das Finanças e que até já integrou uma comissão de reavaliação dos benefícios AEscais (2005), considerou que o AEsco não poderia ignorar que a primeira matrícula era de 2019.
“Se a primeira matrícula é datada de 27-11-2019, é esta a data relevante para aplicação do conceito de facto gerador [do imposto] e que faz aplicar a taxa intermédia [25%] em vigor à data da primeira matrícula”, escreve Oliveira Martins, dado que outra interpretação diferente, como a feita pelo AEsco, violaria o princípio da não-discriminação do artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.
“A introdução no consumo na Alemanha deve ser entendida como o facto gerador relevante” que determina o direito ao imposto. Porque seria “discriminatório” considerar ao invés a data da matrícula em Portugal, visto que geraria um encargo mais elevado violando aquele tratado que determina que “nenhum Estado-membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares”.
A alteração feita com o OE2021 “apenas se aplica aos factores geradores veriAEcados após 1 de Janeiro de 2021”, sublinha o acórdão proferido a 28 de Julho, “sendo que o conceito de facto gerador de imposto (…) abrange todo o veículo abrangido pela norma de incidência que tenha sido adquirido em espaço europeu”.
Por isso, a liquidação de ISV efectuada pela AT na versão de 2021 do ISV é desconforme com a lei nacional e o direito comunitário. O AEsco incorreu assim “em ilegalidade”, anulando-se a liquidação inicial de 3483,75 euros, e prevendo-se a devolução de 2631,73 euros mais juros.
Fonte: Público (exclusivo)
Foto: NELSON GARRIDO (ARQUIVO) - Público