Corrupção. Só 10% de condenações. Mais de metade dos processos são arquivamentos

O relatório do Conselho para a Prevenção da Corrupção alerta para a dificuldade de investigação dos casos de corrupção e criminalidade conexa. Do total de 763 processos comunicados, mais de metade foram de arquivamentos

Apenas dez acórdãos condenatórios por corrupção e outra criminalidade relacionada com este crime foram comunicados pelas autoridades judiciais ao Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), de um total de 102 processos criminais "no âmbito dos quais foram colhidos elementos indiciadores ou demonstrativos da ocorrência de crimes".

Em 2020 o CPC, organismo que funciona junto ao Tribunal de Contas, recebeu participações de 763 processos associados a decisões judiciais e esses 102 representam apenas 13,8% desse total.

Mas não só: "Os elementos apresentados evidenciam novamente as dificuldades da ação do MP e dos Órgãos de Polícia Criminal no acesso e recolha de indícios e elementos probatórios relativamente à ocorrência destes tipos. (...) Estas dificuldades incluem, desde logo, os cuidados na ocultação dos indícios e das provas pelos autores dos crimes."

Das 102 comunicações que contêm indícios e provas da ocorrência de crimes, além dos dez acórdãos condenatórios, 88 dizem respeito a despachos de acusação; três são despachos de suspensão provisória do processo e um é um acórdão absolutório - "este último por traduzir situações em que os indícios que foram apresentados em Tribunal não revelaram uma capacidade própria para se converter em prova e sustentar a aplicação de condenações".

Estas estão associadas fundamentalmente aos crimes de peculato e peculato de uso (52 comunicações), corrupção (19 ) e prevaricação (12).

Tal como já vem sendo uma tendência registada em anos anteriores, os arquivamentos continuam a representar a maioria dos processos que chegam ao CPC, dirigido pelo presidente do Tribunal de Contas, José Tavares. No ano passado foram 396 comunicações - 53,7% do total, ligeiramente superior aos 49,7% do ano de 2019.

Em 2020, salienta ainda este relatório que analisa cirurgicamente estes processos, pela primeira vez em dez anos diminuíram as comunicações feitas ao CPC - foram 123 em 2010, 258 em 2015 e 769 em 2019 - o que é interpretado como uma "estabilização da tendência de crescimento que se tem vindo a verificar ao longo dos anos".

Para o Conselho, estes resultados "reforçam a tendência já registada nos anos anteriores, que é a do arquivamento de uma grande parte dos Inquéritos realizados pelo Ministério Público (MP), devido à ausência de indícios ou elementos probatórios".

Quanto às decisões de arquivamento, o CPC sublinha o facto de se "destacar a tendência para estarem associadas sobretudo aos crimes de corrupção (145 comunicações), peculato e peculato de uso (100 ), abuso de poder (62), participação económica em negócio (42 comunicações) e prevaricação (33 comunicações).

O CPC foi ainda notificado de 240 aberturas de inquérito (32,5%), salvaguardando que este valor "traduz apenas e só o número de inquéritos iniciados no ano, não se podendo por isso conjugar este número com as restantes tipologias de reporte, designadamente com os despachos de arquivamento e com as decisões com elementos indiciadores e probatórios alcançados também no mesmo ano".

Câmaras e polícias no topo
Quanto ao tipo de entidades em relação às quais foram comunicados mais processos de corrupção e criminalidade conexa, destacam-se, na Administração Local, associada a mais de metade dos reportes judiciais (51,8% - 382 comunicações). Deste universo, assumem particular relevo os municípios, que por si só totalizam 293 comunicações.

Na Administração Central, que apresenta uma dimensão total de cerca de 1/4 das comunicações (187 casos - 25,3%), destacam-se as comunicações envolvendo forças e serviços de segurança (54) - que também em 2019 estavam em primeiro lugar - bem como as entidades que operam nas áreas da educação (28) e da saúde .

"Os dados apresentados evidenciam contornos semelhantes aos verificados nos anos anteriores. Eles permitem sustentar uma vez mais que as entidades com tipologias de funções mais representadas parecem estar particularmente expostas à possibilidade da ocorrência de atos de corrupção, de peculato e outros ilícitos conexos", assinala o relatório do CPC.

"Esta maior exposição associa-se com alguma probabilidade a fatores como a natureza das funções desenvolvidas, a subsistência de situações de conflitos de interesses, o exercício de poderes discricionários associados a determinadas funções públicas, bem como a situações de alguma proximidade relacional dos serviços e funcionários com os cidadãos, como seja por exemplo os casos particulares da Administração Local ou das forças e serviços de segurança", completa.

Os conselheiros do CPC, que integra figuras como o inspetor-geral de Finanças, Ferreira dos Santos, e o procurador-geral adjunto Orlando Romano, salientam que duas em cada três das entidades "onde foram sinalizadas práticas delituosas" têm um plano de prevenção de riscos de corrupção".

No entanto, além de 26% delas não terem apresentado os relatórios de execução ao CPC, 33% nem sequer têm um plano para prevenir esses riscos identificados.

Fonte: Diário de Notícias/ Valentina Marcelino
Foto: Rodrigo Cabrita / Global Imagens