Covid-19 - Comissão propõe criar “passes verdes digitais” para facilitar o movimento de cidadãos na UE
Von der Leyen fez o anúncio no Twitter, mas a proposta ainda está a ser trabalhada. Ideia é agilizar passagem nas fronteiras para quem viaja em trabalho ou turismo, mas ainda não é claro como o sistema vai funcionar.
A Comissão Europeia tenciona apresentar, já no próximo dia 17 de Março, uma proposta legislativa para alargar o âmbito da utilização dos certificados de vacinação contra a covid-19, que até ao Verão poderão vir a funcionar como “passes verdes digitais” que garantam a liberdade de circulação dentro da União Europeia e, eventualmente, para países terceiros.
A “novidade” foi anunciada, sem explicações adicionais, pela presidente da Comissão Europeia, numa mensagem no Twitter escrita em alemão, no final de uma reunião à porta fechada com os eurodeputados eleitos pela CDU e CSU no Parlamento Europeu, esta segunda-feira.
“O nosso objectivo é facilitar a vida dos europeus. O passe verde digital vai permitir que os cidadãos possam movimentar-se com segurança na União Europeia e no estrangeiro, para trabalhar ou fazer turismo”, escreveu Ursula von der Leyen.
A Comissão não ofereceu mais nenhum esclarecimento, ou avançou qualquer detalhe sobre a proposta que está a ser preparada a nível técnico: apenas que se trata de um documento digital, com todas as garantias de segurança e protecção de dados e privacidade, para facilitar e agilizar os procedimentos nas fronteiras.
“Não podemos avançar mais detalhes, vai ser preciso esperar”, repetiram vários porta-vozes do executivo, que sublinharam que o texto legislativo que a Comissão vai apresentar diz respeito à liberdade de circulação, que é uma competência europeia, e não tem a ver com as medidas restritivas decididas por cada Estado membro no âmbito do combate à pandemia.
“Estamos a falar de um documento para facilitar a liberdade de movimento e a circulação nas fronteiras. As questões relacionadas com o uso dos certificados no contexto nacional e no interior de cada país é outro assunto”, distinguiu o porta-voz da Comissão.
Ou seja, não é ainda claro se o “passe digital” servirá exclusivamente para evitar a actual cacofonia de requisitos para a transposição de fronteiras e a circulação entre zonas de cores diferentes no mapa de risco epidemiológico, ou se também permitirá que os viajantes já imunizados contra a covid-19 fiquem isentos do cumprimento de medidas restritivas, como quarentenas, à chegada ao destino.
Essa era a ideia do “passaporte de vacinação” originalmente apresentada pelo primeiro-ministro da Grécia, Kyriakos Mitsotakis, que foi recebida com entusiasmo pelos Estados membros cujas economias mais dependem do turismo, caso de Portugal, mas mereceu várias críticas e reparos, por parte de outros líderes e também da Comissão Europeia.
Países como a Grécia, o Chipre ou a Áustria, não ficaram à espera de um consenso a 27 e já avançaram nesse sentido, assinando acordos bilaterais com Israel, que podem ser replicados também com o Reino Unido. O vice-presidente da Comissão com a pasta da Promoção do Modo de Vida Europeu, Margaritis Schinas, desaconselhou essa abordagem, defendendo o “conceito de um produto europeu”.
Apesar de sublinhar que este ainda não é o momento para “encorajar as deslocações não essenciais” dentro da UE, Schinas disse que o objectivo da proposta que vai ser apresentada pela Comissão é “levantar as restrições” para “facilitar a mobilidade” mas “evitando a discriminação” dos cidadãos da UE.
É por isso que, tal como os chefes de Estado e governo já tinham acertado na reunião por videoconferência do Conselho Europeu da semana passada, o passe verde digital deverá certificar que o indivíduo que se propõe viajar não representa um risco para a saúde pública, porque tomou a vacina, obteve um resultado negativo num teste PCR ou desenvolveu anticorpos por ter estado doente com covid-19.
A ministra da Saúde, Marta Temido, que esta segunda-feira presidiu à reunião informal do Conselho da UE onde o assunto foi novamente discutido, salientou a importância da criação de um mecanismo, “com uma designação inteligível para todos os países”, que fixe uma base comum para os movimentos dos cidadãos em segurança. “Será mais um utensílio a contribuir para um retorno progressivo à normalidade”, considerou.
Uma conclusão semelhante saiu da reunião informal dos responsáveis pelo Turismo na UE, para quem a “promoção da confiança dos consumidores para a reabertura e recuperação” do sector passa também pela “criação de instrumentos, como um certificado de saúde ou uma aplicação para viajantes, que incluam critérios e requisitos comuns”.
Na semana passada, Ursula von der Leyen refreou as expectativas dos líderes europeus quanto à possível entrada em vigor de um tal instrumento, ao estimar que seriam necessários “pelo menos três meses” para pôr de pé a infra-estrutura para a interoperabilidade do sistema. “É importante dizer que isto demora algum tempo, pelo menos três meses, para as expectativas não serem muito altas, muito cedo”.
Além das questões técnicas e de operacionalidade do sistema, a presidente da Comissão apontou a necessidade de responder às incógnitas científicas e ultrapassar as reservas políticas antes de fechar o modelo para o uso dos certificados de vacinação ou passes verdes digitais.
As dúvidas da ciência dificilmente serão resolvidas antes da próxima cimeira europeia de 25 e 26 de Março (quando está previsto que os chefes de Estado e governo apreciem a proposta da Comissão), uma vez que os estudos sobre o período de imunidade garantido pela vacina, ou a possibilidade de os indivíduos vacinados serem ou não transmissores do vírus estão a decorrer em tempo real.
Do ponto de vista político, há um dilema maior para resolver, como demonstrou a reacção imediata da ministra dos Negócios Estrangeiros da Bélgica, Sophie Wilmès, que depois do anúncio da presidente da Comissão escreveu no Twitter que era má ideia “vincular a liberdade de movimento na Europa” à posse de um certificado digital. “O respeito pelo princípio da não-discriminação é mais fundamental do que nunca, uma vez que a vacinação contra a covid não é obrigatória, e o acesso à vacina não está generalizado”, lembrou.
Fonte: Público