Partidos e PM em Belém. Estado de emergência para permitir recolher obrigatório
7,1 milhões de portugueses vão ficar a partir de quarta-feira sujeitos a "dever de confinamento". Mas será que as medidas vão endurecer para recolhimento obrigatório? Nesta segunda-feira assinala-se um dia de luto nacional pelas vítimas da pandemia.
Tudo o que António Costa anunciou no sábado pode ser feito sem ser necessário decretar o estado de emergência. Foi o Supremo Tribunal Administrativo que assim decidiu, na resposta a duas providências cautelares, uma delas do Chega, contra a decisão governamental de fechar neste fim de semana a circulação entre concelhos.
Mas para se avançar, por exemplo, para um recolhimento obrigatório, parcial ou total, aí já é preciso uma declaração de estado de emergência, pelo que implica de suspensão de direitos. E mesmo assim, diz a Constituição (art.º 19.º, n.º 6), há direitos que de modo algum podem ser postos em causa, mesmo com estado de emergência: "A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião."
No sábado, ao anunciar as novas medidas de combate à pandemia, António Costa reconheceu isso mesmo: "Essa medida [recolher obrigatório] nunca poderia ser adotada com as competências constitucionais de que o governo dispõe."
"Já solicitei ao Presidente da República uma audiência, tendo em vista transmitir-lhe o que o Conselho de Ministros entendeu sobre a eventual declaração do estado de emergência aplicável ao conjunto dos concelhos que venham a ser abrangidos caso cumpram o critério de terem mais de 240 infetados por cem mil habitantes nos últimos 14 dias", explicou ainda o chefe do governo.
Interrogado se o governo pretenderia que os concelhos que ultrapassem o patamar-limite de contágios (240 por cada cem mil habitantes) entrem em estado de emergência a partir de 4 de novembro, o primeiro-ministro apenas declarou que, em primeiro lugar, "falará com o Presidente da República" sobre a eventualidade do estado de emergência.
"Só depois falarei ao país, através da comunicação social, sobre o tema do eventual estado de emergência", antes de salientar que, na sequência do conjunto de decisões deste Conselho de Ministros extraordinário, "não haverá qualquer alteração do quadro sancionatório em relação àquele que já foi definido anteriormente".
Luto nacional pelas vítimas
"Temos uma crise sanitária, temos um problema de saúde e não os podemos resolver através da multiplicação de casos de polícia. A polícia tem um papel fundamental para garantir a ordem, garantir o cumprimento das obrigações e para ajudar a proteger a sociedade no seu conjunto. Isto não é um regime para andarmos a caçar multas, porque a multa é mesmo aquilo que não desejamos ter de cobrar", explicou.
Com o estado de emergência pode ser imposto o confinamento obrigatório (medida mais grave do que o atual "dever de confinamento"); podem ser suspensas, por exemplo, as celebrações religiosas públicas; pode ser limitado (ou mesmo suspenso) o direito de manifestação; e o mesmo com o direito à greve. E até pode "ser suspenso qualquer tipo de publicações, emissões de rádio e televisão e espetáculos cinematográficos ou teatrais, bem como ser ordenada a apreensão de quaisquer publicações, não podendo estas medidas englobar qualquer forma de censura prévia" (mas no anterior estado de emergência o PR fez questão de sublinhar que tal medida estava completamente excluída, o que se traduziu na possibilidade de os quiosques de venda de jornais se manterem abertos).
Nesta segunda-feira o Presidente da República começará o dia pelas 10h00 numa cerimónia no Palácio de Belém de içar da bandeira para assinalar um dia de luto pelas vítimas da pandemia. O presidente da Assembleia da República e o primeiro-ministro estarão presentes.
Depois, às 10h30, tem meia hora de conversa marcada a sós com António Costa. E a seguir receberá de 45 em 45 minutos todos os partidos parlamentares, começando pelo mais pequeno (a Iniciativa Liberal) e acabando no maior (o PS), sem sequer intervalo de almoço.
O que está em cima da mesa é, por um lado, estabelecer um retrato da situação pandémica e das suas perspetivas de evolução (que o primeiro-ministro não se cansa de dramatizar). E, por outro, perceber se há margem para algum consenso parlamentar em torno da aprovação de um novo estado de emergência (que por lei só pode durar 15 dias, tendo portanto de ser renovado quinzenalmente no parlamento).
O processo legislativo é simples: o PR faz um decreto; o governo dá um parecer positivo; e depois o parlamento vota.
Ora no parlamento já está garantida uma vasta maioria de apoio, formada (no mínimo) pelo PS e pelo PSD. Mas importaria alargar um pouco mais. É o que falta saber se é possível. O PCP já disse que o estado de emergência não lhe agrada; a IL e o Chega também não irão a jogo. Os restantes - PAN e CDS - são uma incógnita.
Porto quer recolher obrigatório
Para já o que entra em vigor, a partir de 4 de novembro, é o "dever de confinamento" e o teletrabalho obrigatório - mas sem encerramento do sistema de ensino, uma medida que Costa definiu como uma "linha vermelha" - para 121 concelhos do continente, abrangendo uma população na ordem dos 7,1 milhões de pessoas. Essa lista de concelhos será reavaliada a cada duas semanas e o PM assegura que vai crescer porque a pandemia ainda não atingiu o seu pico máximo.
Neste domingo, o presidente da Comissão Distrital da Proteção Civil do Porto defendeu que o estado de emergência deve ser declarado ainda que "de forma geral" e considera as medidas anunciadas pelo governo de combate à covid-19 como "muito positivas".
"As medidas anunciadas vieram, de uma forma geral, dar resposta àquelas que foram as propostas dos autarcas do distrito do Porto feitas na última semana. Não é um recolher obrigatório, mas é um dever de recolhimento. Não é bem a mesma coisa, mas tende no mesmo sentido. São positivas. Mas eu defendo que o estado de emergência deve ser declarado", disse Marco Martins - que aliás já tinha há dias defendido a instauração do recolher obrigatório na sua área de jurisdição.
Portugal contabilizou neste domingo mais 37 mortos relacionados com a covid-19 e 3062 novos casos confirmados de infeção, segundo o boletim epidemiológico da Direção-Geral da Saúde (DGS).
Desde o início da pandemia foram confirmados 144 341 casos de infeção pelo novo coronavírus e 2544 óbitos.
Das 37 mortes registadas, 20 ocorreram na região norte, 12 em Lisboa e vale do Tejo, três no centro e duas no Alentejo.
Em relação aos internamentos, o número de pessoas hospitalizadas continua a subir há cerca de duas semanas, sendo agora 2122 pessoas, mais 150 do que no sábado.
Nas últimas 24 horas são menos dois os doentes internados nas unidades de cuidados intensivos, totalizando agora 284 (há ainda 72 camas disponíveis).
A pandemia de covid-19 já provocou quase 1,2 milhões de mortos e mais de 46 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Fonte: Diário de Notícias
Foto: Carlos Costa/AFP