Ameaça. Secretas reforçam alerta para a reorganização da extrema-direita em Portugal
No mesmo dia em que a Europol regista a atividade de movimentos neonazis em Portugal, também o SIS destaca os grupos de extrema-direita na sua avaliação de ameaça à segurança interna portuguesa.
"Em Portugal, a extrema-direita tem vindo a reorganizar-se, reciclando discurso, formando novas organizações e recrutando elementos junto de determinadas franjas sociais a que normalmente não acediam num passado não muito distante", regista o Serviço de Informações de Segurança (SIS) na análise da ameaça no nosso país, integrada no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2019, aprovado nesta terça-feira no Conselho Superior de Segurança Interna.
Os analistas do SIS escrevem que "a extrema-direita portuguesa deu primazia ao combate do que apelida marxismo cultural, numa tentativa de sensibilizar a sociedade civil ao seu discurso e ideário extremista, com vista ao alargamento da base social de apoio".
Já no RASI de 2018, as atividades dos neonazis tinham sido alvo de preocupação das secretas. "A extrema-direita portuguesa continuou a aproximar-se das principais tendências europeias, na luta pela reconquista da Europa pelos europeus. Para além de intensificarem os contactos internacionais, estes extremistas desenvolveram um esforço de convergência dos seus diferentes setores (identitários, nacional-socialistas, skinheads), no sentido de promoverem, no plano político e meta-político, os seus objetivos", foi escrito no RASI de 2018, que também assinalava que a "violência permaneceu como um traço marcante da militância de extrema-direita, havendo registo de alguns incidentes, nomeadamente agressões a militantes antifascistas".
O SIS assinala agora no RASI de 2019 que as atividades destes grupos "não se restringem à ideologia neonazi". Isto porque "tem sido verificada uma estreita conexão com outros grupos e organizações existentes na Europa, nomeadamente associados à tendência identitária, que também ganhou espaço em território nacional".
A nova extrema-direita
Os identitários, explicou ao DN Filipe Pathé Duarte, no âmbito de um artigo sobre estes grupos, afirmam querer preservar a "identidade etnocultural da Europa" - percebida como branca e cristã. Acreditam que os europeus "indígenas" estão a ser substituídos por muçulmanos e migrantes. É uma nova extrema-direita, jovem, hipster e educada, que procura destacar-se dos "falhanços" do passado. "Estão a crescer exponencialmente e são bastante ativos nas redes sociais."
De acordo com a monitorização feita pelas secretas a estes movimentos, observou-se uma tendência de "multiplicação e desdobramento de atividades na vertente online - redes sociais -, dimensão em que estão particularmente ativos, inclusivamente recorrendo a grupos fechados, mas também no espaço público em geral, ainda que de modo ocasional".
As secretas deram conta de que, em ano de eleições para o Parlamento Europeu e para a Assembleia da República, "praticamente todos os setores da extrema-direita concorreram para a intensa difusão de propaganda e desinformação tanto online como através de manifestações, debates e publicações diversas, fomentando clima de alguma tensão com os adversários do espectro político oposto, marcado por confrontos físicos pontuais.
Exemplo de confrontos violentos por motivos ideológicos foram, por exemplo, as agressões contra um militante comunista e um ativista da Frente Unitária Antifascista por parte de um grupo de 27 suspeitos neonazis, acusados neste mês pelo Ministério Público por vários crimes de ódio, tentativas de homicídio e tráfico de armas.
A preocupação com a ação de grupos de extrema -direita violenta foi assumida recentemente pelo diretor nacional da Polícia Judiciária. "O ódio racial, político, religioso, de género, contra os imigrantes, tudo isto tem de ser reprimido. E não pode motivar um discurso e uma ação violentos e exacerbados. Nessa perspetiva, a PJ estará sempre na primeira linha de combate, quer do ponto de vista preventivo quer do ponto de vista repressivo", sublinhou Luís Neves em entrevista ao DN.
A reorganização dos neonazis
Nos últimos dez anos, desde a operação da Polícia Judiciária em 2007 contra este grupo, que decapitou toda liderança e fez cair a estrutura da organização, os cabeças rapadas foram aos poucos recuperando. Contaram com apoios internacionais, utilizando até sistemas de comunicações encriptadas para fugir aos radares das autoridades.
A partir de 2013, a PJ começou a notar um aumento de atividade da organização extremista, designadamente novos recrutamentos. Em maio de 2015, a organização alugou um espaço, no concelho de Odivelas, que se transformou no seu quartel-general - a Skinhouse dos Portugal Hammer Skins.
A Skinhouse, tal como tinha acontecido com a de Loures, desmantelada pela polícia em 2007, era o local de convívio, concertos, reuniões para preparar estratégias de combate, preparação de manifestações e base de recrutamento.
O relatório internacional "Global Index for Terrorism", referente a 2019, dava conta de um aumento contínuo de mortes atribuídas a indivíduos de extrema-direita. Dezanove países da Europa Ocidental, da América do Norte e da Oceânia foram alvo de ataques desta natureza. De 11 mortes, em 2017, passou-se a 26 em 2018 e a 77 em 2019 (até setembro), um recrudescimento de 600%.
Esta tendência tem levado alguns analistas a concluir que este fenómeno não está a ser tratado seriamente e que as autoridades policiais e os serviços de informações ocidentais devem dar mais atenção a esta ameaça em expansão.
Grupos portugueses na mira da Europol
Nesta terça-feira, no relatório da Europol "Te-SAT - Terrorism Situation and Trend Report 2020", que analisa também os extremismos políticos na União Europeia (UE), há várias referências a Portugal nesta matéria. Destaca o grupo de neonazis Blood & Honour, já banido da Alemanha, como dos "mais proeminentes" na UE, com "capítulos" (filiais) em Portugal.
Fonte: Diário de Notícias