Ministra desvaloriza parecer sobre prevenção do vírus nos tribunais
“A autoridade com competência para definir regras de protecção sanitária a adoptar é a Direcção-Geral da Saúde”, vincou Francisca Van Dunem, em resposta à ameaça dos juízes de se recusarem a fazer julgamentos em salas sem condições. Governante diz que 91% das salas têm condições para funcionar, sindicatos duvidam.
A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, desvalorizou esta quarta-feira o parecer técnico divulgado pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses sobre as medidas de prevenção da pandemia de covid-19 nos tribunais. Esta organização aconselhou os magistrados a recusarem-se a fazer julgamentos nas salas de audiências que não cumpram as condições preconizadas no parecer, que encomendou a uma empresa especializada em higiene e segurança no trabalho.
“A autoridade com competência no Estado português para definir as regras de protecção sanitária a adoptar é a Direcção-Geral da Saúde”, vincou a governante, no final de uma visita ao Palácio da Justiça de Loures destinada a assinalar a retoma dos trabalhos nos tribunais de todo o país, depois de dois meses e meio em serviços mínimos por causa da pandemia.
Pelas contas do Ministério da Justiça, 91,7% das 824 salas de audiências espalhadas pelos 315 tribunais existentes em todo o país têm condições de realizar julgamentos à luz das regras estabelecidas pela Direcção-Geral da Saúde (DGS). “Nem todas têm obviamente a mesma capacidade”, reconheceu Francisca Van Dunem. Nalgumas só vai ser possível fazer julgamentos de menor dimensão, por causa da distância social que é preciso respeitar entre os diferentes intervenientes, o que relegará os maiores para as salas de audiências de maiores dimensões ou, quando isso se tornar inviável, para salões de bombeiros e salas de espectáculos que estejam desocupadas.
Tanto a Associação Sindical de Juízes Portugueses como o Sindicato dos Funcionários Judiciais duvidam, no entanto, da funcionalidade de tantas salas de audiências. “Não creio que 91,7% tenham condições”, diz Carla Oliveira, da primeira associação. António Marçal, da segunda organização, também não acredita: “Esses dados parecem não ter correspondência com a realidade”. E dá o exemplo de dois julgamentos marcados para a próxima segunda-feira em Montemor-o-Velho: “O da parte da tarde teve de ser adiado, por não ser possível garantir a limpeza da sala depois de terminar o da manhã”.
Questionada pelos jornalistas sobre as apreensões dos sindicatos sobre as condições de funcionamento dos tribunais, a ministra garantiu que elas existem, mas deixou um alerta: “Nenhum de nós tem ilusões. Nada vai ser como dantes. Mas entre estar tudo mal e estar tudo bem vai uma diferença muito grande. E o Governo não diz que está tudo bem”. Francisca Van Dunem falava numa sala de audiências do Tribunal de Loures que, apesar de não ter janelas e de se ter optado por desligar o ar condicionado, foi contabilizada como estando apta a receber julgamentos.
Salas sem ventilação
Porém, de acordo com os critérios que a Associação Sindical de Juízes Portugueses quer ver implementados, nalgumas situações mais exigentes que os da Direcção Geral de Saúde, não devem ser usadas as salas que não possuam nem ventilação natural nem artificial. A própria autoridade sanitária determinou, nas regras que gizou para os tribunais com a colaboração da Direcção-Geral de Administração da Justiça, que o ar dos compartimentos deve ser “renovado frequentemente, abrindo as janelas sempre que possível” e que, no caso de existir ventilação artificial, é preciso dar preferência ao modo de funcionamento sem recirculação de ar. Ainda assim, não condiciona explicitamente a utilização das salas à existência de ventilação, seja ela natural ou forçada.
Para a Associação Sindical de Juízes Portugueses, porém, esse condicionamento decorre da própria lei, que remete para a listagem de regras de funcionamento elaborada pela autoridade de saúde.
No que diz respeito à higienização das salas de audiências a tutela já anunciou que vai estender os contratos de limpeza que tem com firmas do sector para aumentar o número de horas disponibilizadas. Mas não existe informação sobre se os piquetes de limpeza já estão a funcionar nos tribunais onde não existiam ou eram escassos para as actuais necessidades. Os juízes estão dispostos a fazer accionar os delegados de saúde nas situações em que entenda não estarem reunidas as condições de funcionamento necessárias.
O que não chegou ainda aos tribunais foram as protecções de acrílico que vão ajudar a que nas salas de audiências mais pequenas se possam fazer julgamentos, mesmo que não existam os dois metros de afastamento obrigatório entre magistrados e advogados. Segundo a directora-geral da Administração da Justiça, Isabel Namora, também presente, deverão chegar na semana que vem. A visita da ministra ao Palácio da Justiça de Loures incluiu uma passagem por algumas secretarias com balcões de atendimento ao público munidos das polémicas rodelas de acrílico encomendadas para proteger os funcionários, mas cuja funcionalidade tem sido alvo de crítica e também de chacota, devido quer à sua dimensão demasiado pequena quer ao facto de estes objectos terem furinhos. Francisca Van Dunem defendeu as controversas rodelas, alegando que são meios de protecção adicionais, uma vez que é obrigatório circular nos tribunais de máscara posta, e que os orifícios são laterais, pelo que não potenciam a contaminação.
Quando já se ia embora a governante foi abordada por vários funcionários judiciais, que lhe lembraram um problema velho de anos: a falta de oficiais de justiça, que faz com que muito do trabalho dos tribunais se atrase. Pelas suas contas, só em Loures há 40 funcionários em falta.
Fonte: Público