Medir temperatura dos alunos põe em causa “protecção de dados pessoais”
No regresso às aulas presenciais, algumas escolas estão a medir a temperatura dos alunos à entrada das instalações. Comissão Nacional de Protecção de Dados alerta que se trata de “um dado relativo à saúde, cujo tratamento está por regra proibido”.
A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) alertou, nesta terça, as escolas que estão a medir a temperatura dos alunos para lhes dar acesso às aulas que têm “a obrigação de verificarem e demonstrarem que os tratamentos que realizam cumprem os princípios e as regras legais de protecção dos dados pessoais”.
A posição da CNPD, intitulada Orientações sobre recolha dos dados de saúde dos alunos, surge na sequência “das notícias divulgadas pela comunicação social de que, na retoma das aulas presenciais, na actual situação de pandemia provocada pelo novo coronavírus SARSCoV-2 e pela doença Covid-19, alguns estabelecimentos de ensino adoptaram o procedimento de leitura da temperatura corporal dos alunos”, esclarece a comissão.
“São casos absolutamente residuais”, assegura o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, frisando que a medição da temperatura corporal não faz parte das orientações para o regresso às aulas presenciais emanadas pela Direcção-Geral da Saúde e pelo Ministério da Educação. Um facto que é também sublinhado pela CNPD.
Também do material de protecção distribuído às escolas não fazem parte termómetros, acrescenta Filinto Lima. “As escolas estão a tentar fazer o máximo para impedir situações de contágio. Se este procedimento não estiver correcto, por certo que acolherão as orientações da comissão”, assegura ainda o presidente da ANDAEP.
Uma das escolas que está a medir a temperatura à entrada das instalações justifica esta medida com as orientações enviadas pela Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (Dgeste), a 5 de Maio: “Impõe-se que sejam assegurados procedimentos, através da implementação, em cada unidade orgânica, de um plano de medidas que mitigue a possibilidade de contágio, garantindo a segurança da comunidade educativa”.
No caso da medição da temperatura corporal, ainda por cima a menores, a CNPD refere que “não basta o interesse legítimo do responsável [do estabelecimento] ou de terceiro em prevenir o contágio da doença Covid-19 para se ter como lícito o tratamento [de dados]”. Já que está em causa “um dado relativo à saúde, cujo tratamento está por regra proibido”.
Um problema de consequências
Mais concretamente, e “independentemente de se realizar ou não o respectivo registo” de dados, no caso da temperatura corporal, a “licitude” deste procedimento depende, em primeiro lugar, do “consentimento do titular dos dados” (aluno), explicita a CNPD, acrescentando que para este ser válido, e “juridicamente relevante, tem de ser dado em condições que garantam a liberdade inerente a essa manifestação”. E isto “pressupõe não apenas informação clara sobre as condições do tratamento de dados pessoais e sobre as consequências do mesmo, mas também que essa manifestação de vontade explícita não esteja condicionada ou prejudicada pelas eventuais repercussões (ou pela ameaça de repercussões) que a recusa da sua emissão possa ter”.
A CNPD vai ainda mais longe: “Significa isto que a declaração de vontade eventualmente manifestada pelo aluno, ou pelo encarregado de educação, só é relevante para fundamentar o tratamento se não houver ameaça ou comunicação de que a recusa de sujeição ao procedimento de leitura da temperatura corporal implica a consequência negativa para o aluno de ser impedido de entrar numa sala de aula e, portanto, de obter os ensinamentos necessários à sua preparação para a avaliação”.
Já antes desta opção adoptada por algumas escolas, e em resposta ao facto de esta mesma medida fazer parte do plano de desconfinamento de vários sectores de actividade, a CNPD avisara que as empresas não podem medir a temperatura corporal nem recolher “outra informação relativa aÌ saúde ou a eventuais comportamentos de risco dos seus trabalhadores”, porque corresponde a tratamento de dados pessoais.
A CNPD chamou ainda a atenção para o facto de nem a Direcção-Geral da Saúde, nem o colégio de Medicina do Trabalho da Ordem dos Médicos, nem a Agência Europeia de Segurança e Saúde no Trabalho, todas com orientações para o regresso ao trabalho durante a pandemia da covid-19, recomendarem esta medida.
Fonte: Público