Privacidade - Covid-19: como é que o mundo segue os infectados? Com Bluetooth, pulseiras e GPS
Há muitas formas de fazer o rastreio de contactos com covid-19. Na Polónia pessoas em quarentena têm de enviar selfies diárias, em Hong Kong é preciso usar uma pulseira, na China usa-se um código QR.
Portugal está a trabalhar numa aplicação móvel que alerta os utilizadores que estiveram em contacto com alguém infectado com o novo coronavírus para se isolarem, sem nunca identificar essa pessoa. A informação foi avançada esta quinta-feira pelo primeiro-ministro António Costa numa entrevista ao novo podcast Política com Palavra, do PS.
São poucos os detalhes conhecidos, mas o projecto faz parte de um conjunto de iniciativas desenvolvidas na União Europeia para acompanhar redes de contágio da covid-19 sem desrespeitar os valores de privacidade europeus. Tal como recomendado pela Comissão Europeia, o primeiro-ministro diz que a proposta portuguesa não guarda a localização dos utilizadores, não revela a identidade das pessoas infectadas e não será de uso obrigatório.
O PÚBLICO tentou contactar o gabinete do primeiro-ministro e o Ministério de Saúde para obter mais detalhes sobre a aplicação de rastreio, mas não obteve resposta até à hora de publicação desta notícia.
A semana passada a Comissão Europeia divulgou uma lista de vários projectos europeus recentes, embora existam várias apps a funcionar desde de o início do ano em países fora da UE. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o rastreio de contactos como a identificação e acompanhamento de pessoas que possam ter estado em contacto com uma pessoa infectada com uma doença contagiosa. O PÚBLICO recolheu exemplos:
Aplicações na frente europeia contra a covid-19
Regra geral, as aplicações desenvolvidas na União Europeia para travar a propagação da covid-19 recorrem ao Bluetooth, uma tecnologia de comunicação sem fios de curto alcance encontrada em praticamente todos os aparelhos móveis (portáteis, smartphones, consolas) que permite que troquem informação quando estão próximos. A vantagem face a outras tecnologias, como o GPS, é que não são guardados dados sobre as coordenadas geográficas do utilizador.
Se os donos dos telemóveis com aplicações de rastreio instaladas forem infectados com o novo coronavírus, os aparelhos devem automaticamente enviar alertas a todos os telemóveis que estiveram na proximidade nos últimos dias (alguns países europeus consideram as últimas 48 horas, outros consideram os últimos cinco dias). Nunca é revelada a identidade do utilizador infectado. A Itália, Irlanda, e Áustria são exemplos de países que estão a desenvolver aplicações que usam tecnologia Bluetooth. Mas há outras propostas:
Polónia pede selfies: casos suspeitos de infecção são obrigados a utilizar uma aplicação móvel de rastreio durante uma quarentena de 14 dias. À semelhança de outras iniciativas europeias, a aplicação utiliza a tecnologia Bluetooth para registar e alertar utilizadores e autoridades de saúde dos contactos do utilizador. A aplicação pede, aleatoriamente, selfies aos cidadãos em quarentena obrigatória — o utilizador tem 20 minutos para publicar uma fotografia (que é comparada com uma fotografia do cidadão na base de dados) no local onde está. Se não o fizer, pode receber uma visita da polícia em casa.
República Checa usa dados de operadoras móveis: a app eRouška usa dados de localização de operadores de telecomunicações para construir “mapas de memória” que se resumem a uma visualização gráfica dos locais por onde um utilizador passou tempo significativo nos últimos cinco dias. Um piloto da aplicação, desenvolvida pelo Ministério da Saúde, está actualmente a ser testado em algumas zonas do país. O lema da aplicação é “ao proteger-me a mim, protejo-te a ti!”. Actualmente está disponível apenas para dispositivos que usam o sistema operativo Android. No final de Março, a Comissão Europeia começou a pedir às operadoras de telecomunicações dos vários Estados membros metadados dos clientes para criar modelos de predição sobre a covid-19.
Noruega usa GPS: é dos poucos países europeus a utilizar tecnologia de geolocalização. De acordo com a Comissão Europeia, a solução da Noruega combina dados recolhidos via Bluetooth e GPS para detectar e aconselhar pessoas que poderão estar infectadas com o novo coronavírus. A aplicação tem dois propósitos: alertar pessoas que estiveram próximas de pessoas infectadas e perceber os padrões de contágio no país.
Chipre usa tecnologia do MIT: o Chipre está a desenvolver uma aplicação de rastreio de contactos com base no kit Safe Paths (inglês para “caminhos seguros), desenvolvida pelo MIT, a reputada universidade de tecnologia em Massachusetts, EUA. O sistema junta tecnologia de Bluetooth e GPS que permite ao utilizador combinar um diário de locais por onde passa com a localização, anonimizada, de pessoas infectadas.
França precisa que Apple muda regras: à semelhança de outras soluções europeias, a aplicação francesa “Stop Covid” (que deve ser lançada em Maio), baseia-se em tecnologia Bluetooth para detectar casos de covid-19 numa determinada zona, mas contrariamente a outras soluções, a versão francesa quer partilhar informação de localização dos telemóveis do utilizador com as autoridades de saúde — algo que o sistema operativo da Apple não permite. Recentemente a gigante tecnológica norte-americana juntou-se à Google para desenvolver um sistema próprio de alerta.
Portugal quer juntar Trace Covid e rastreador de sintomas: ao PÚBLICO, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) diz que não foi notificada de uma nova aplicação de rastreio de contactos, embora esclareça que “desde a aplicação do RGPD não é necessária qualquer autorização prévia da CNPD”. Na lista divulgada pela Comissão Europeia, lê-se que Portugal está a desenvolver uma aplicação móvel com um rastreador de sintomas que está ligado ao sistema Trace Covid (permite aos profissionais de saúde consultar o número de casos de covid-19 activos e em vigilância no país) e ao sistema SNS24.
E fora da União Europeia?
China usa código QR: a China foi pioneira no desenvolvimento destas aplicações. Desde Fevereiro que as pessoas no país têm acesso a uma aplicação móvel, acessível através de serviços de mensagens como o WeChat, que as alerta quando existe “contacto próximo” com alguém potencialmente infectado. Mais tarde, o país lançou uma aplicação que atribui um código QR aos cidadãos que os identifica como parte dos grupos “verde”, “amarelo” (potenciais infectados) ou “vermelho” (infectados). O código funciona como uma espécie de código de barras que é lido através da câmara do telemóvel e ajuda as autoridades a gerir a entrada de pessoas em espaços públicos, como estações de metro e centros comerciais.
Colômbia usa aplicação portuguesa: a Colombia está a experimentar o sistema desenvolvido pela startup portuguesa Hypelaps, que detecta proximidade física entre smartphones e trabalha em conjunto com hospitais e governos para informar os utilizadores sobre a possibilidade de contacto com pessoas infectadas com covid-19. A app atribui ao telemóvel um identificador único que pode ser seguido pelas autoridades, mesmo que o utilizador não esteja ligado à Internet. A aplicação é uma das soluções Tech4Covid, um agregador de soluções tecnológicas para fazer frente à pandemia.
Hong Kong optou pela pulseira: a Região Administrativa Especial, autónoma da China, tem estado a atribuir uma aplicação e pulseira electrónica a pessoas que entram no país para garantir que respeitam o período de quarentena de 14 dias. No aeroporto, por exemplo, as pessoas que chegam ao país recebem uma pulseira com um código QR que devem associar à aplicação móvel StayHomeSafe. Funciona ao registar os sinais de comunicação emitidos (Bluetooth e outras redes) no local de quarentena. A aplicação garante que o utilizador se mantém nos limites virtuais da sua casa ao pedir, aleatoriamente, ao dono do aparelho para confirmar a sua presença ao scanizar o código de QR da pulseira na aplicação. Ou seja, se o utilizador desrespeitar a quarentena ao sair e deixar o telemóvel em casa, as autoridades podem ser notificadas.
Coreia do Sul regista coordenadas: o sistema sul-coreano utiliza tecnologia de GPS para registar a localização dos utilizadores infectados e garantir que respeitam o período de quarentena. As autoridades também usam a aplicação para chamadas diárias com os utilizadores infectados. Porém, o envio de SMS diários sobre os movimentos de pessoas infectadas com a covid-19 tem levado à propagação de rumores sobre determinados indivíduos que se sentem alvo de discriminação. Há ainda utilizadores preocupados que a informação de saúde preenchida seja enviada às autoridades, ou partilhada com outras entidades.
Austrália pede que se preencha formulário: os cidadãos infectados podem, voluntariamente, criar um registo de isolamento voluntário que inclui a morada, nome, idade e contacto.
Singapura só guarda dados durante 21 dias: a aplicação TraceTogether, desenvolvida pelo Governo, apaga informação guardada pela aplicação sobre o utilizador a cada 21 dias. Tal como muitas iniciativas europeias, usa Bluetooth para identificar pessoas que estiveram em contacto próximo. É o utilizador que decide partilhar, ou não, essa informação com as autoridades, se for infectado. Quando alguém desinstala a aplicação, as informações associadas deverão ser todas apagadas.
Fonte: Público