Ano Judicial avança sem Igreja e com reivindicações recorrentes

Os vários operadores da justiça continuam a apontar os mesmos problemas, de falta de recursos, instalações deficitárias, desinvestimento dos sucessivos Governos. O novo ano judicial é assinalado esta segunda-feira e, pela primeira vez, a Igreja não foi convidada.

Escassez de magistrados, de oficiais de justiça, de meios materiais, tribunais sem condições, carreiras que continuam a não ser atrativas, em geral, desinvestimento na Justiça. Ano após ano os problemas repetem-se e as reivindicações também. Na cerimónia solene de abertura do novo ano judicial, que se assinala esta segunda-feira, no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa, os discursos deverão voltar a bater nas mesmas teclas.

O novo Procurador-Geral da República, Amadeu Guerra, participa pela primeira vez na cerimónia, assim como da ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, e o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, novos titulares nestas funções na sequência das eleições legislativas de março. Já o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, deverá discursar pela penúltima vez nesta cerimónia.

"São precisas medidas que tornem as carreiras mais atraentes", nomeadamente "aumentando o valor das bolsas no acesso às magistraturas" e que atraiam mais pessoas para a profissão, assinalou Paulo Lona, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) esta segunda-feira em declarações à Antena 1. O SMMP defende também uma revisão das regras que regulam o sistema da fiscalização da distribuição de processos por métodos eletrónicos e volta ao tema recorrente da deficiência de instalações que têm falta de "manutenção e conservação eficaz e resolução dos casos em que faltam condições dignas". "Chegamos a um estado da Justiça grave, apontado por todos os operadores, porque houve um total desinvestimento na Justiça", sublinham, lembrando ainda o problema da falta de autonomia financeira do MP.

As questões da carreira e a falta de funcionários judiciais são um dos problemas apontados pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), com o qual estes magistrados "estão totalmente solidários". Nuno Matos, presidente desta entidade lembra que a questão se mantém sem alterações desde o ano passado. O juiz lembra que 2025 será "um ano decisivo", com "vários casos mediáticos em vias de resolução", como a Operação Marquê, Lex, BES Angola. "Um ano desafiante para o sistema de justiça que tem de conseguir dar resposta". "Continuamos a ver tribunais em que chove lá dentro e sem condições dignas para receber os cidadãos", aponta, em declarações à mesma rádio. Também a falta de meios humanos na magistratura judicial preocupa a ASJP.

Fernanda Almeida Pinheiro, bastonária da Ordem dos Advogados - instituição que irá este ano a votos - lembra, por seu turno, a necessidade de olhar para a previdência dos Advogados e solicitadores, que tem estado em banho-maria. O Ministério da Justiça criou grupo de trabalho para estudar o tema e a bastonária lembra à Antena 1 a necessidade de "salvaguardar os direitos adquiridos das pessoas, o pagamento das contribuições de acordo com os rendimentos" e "o mais importante, conferir direitos de previdência aos advogados".


A revisão da tabela de honorários, "que vai este ano fazer 21 anos que não é revista" é outra das reivindicações. "Temos também de regulamentar as relações que existem entre os associados e os sócios das sociedades de advogados", onde muitas vezes "existe ali uma verdadeira relação laboral" e "temos de resolver o problema do estatuto da ordem dos advogados e dos estágios da advocacia", o que "representa um problema para a esmagadora maioria dos estagiários porque mais de 75% dos advogados exercem em prática individual e não têm capacidade para custear um estágio", sublinha a bastonária. "O Estado tem obrigação de criar programas de financiamento", diz.

"Sem oficiais de justiça, a situação piora em áreas cruciais", assinala António Marçal, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais. Estes trabalhadores chegaram a acordo com o Governo em junho, no âmbito da revisão do Estatuto, mas desde aí "o Governo adormeceu e não fez absolutamente nada", lamenta. "Nós estávamos disponíveis para encontrar uma solução que pudesse ser faseada", mas a proposta que chegou "só no final do ano, é no mínimo ridícula e insultuosa", declarou à Antena 1. "Precisamos de aproveitar os fundos do PRR para um investimento sério no edificado" e "falta uma aposta séria nos equipamentos e que se olhe para algumas normas processuais que precisam de uma revisitação", afirmou ainda.


Abertura sem a Igreja
Na cerimónia de abertura do ano judicial desta segunda-feira não estarão presentes representantes da igreja católica, que não foram convidados, noticia o jornal Público. Segundo o jornal, a decisão foi tomada pelos organizadores do evento - o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o procurador-geral da República e a bastonária dos advogados, todos católicos - que entenderam que não se justificava a presença de um representante da Igreja e, por isso, não enviaram qualquer convite ao patriarcado.


A cerimónia decorre no Supremo Tribunal de Justiça e, ao jornal, o tribunal respondeu que a decisão se baseou no facto de se tratar de uma cerimónia estritamente oficial. "Não irão estar presentes, porque não foi convidada nenhuma entidade eclesiástica de qualquer religião", respondeu o Supremo, citado pelo Público, explicando que manteve os convites aos representantes das Forças Armadas uma vez que existem juízes militares em funções neste tribunal.


O patriarcado preferiu não comentar, limitando-se a confirmar não ter recebido qualquer convite este ano, "ao contrário do que acontecia de acordo com uma longa tradição".


Fonte: Jornal de Negócios
Foto: Miguel Baltazar/Negócios