Lei sobre juros negativos chega com "dois anos de atraso" e sem retroativos
A aplicação dos juros negativos nos empréstimos à habitação, através de créditos futuros, pode pecar por tardia face à proximidade da subida das taxas. Sem retroatividade, ganha a banca.
O PS e o Bloco de Esquerda anunciaram ontem um acordo para uma lei que reflita, no futuro, os juros negativos nos contratos de crédito. Mas, a ser aprovada, essa legislação não tem efeitos retroativos, o que para a Deco arrisca fazer que o efeito não seja sentido pelos detentores de crédito, acabando por beneficiar a banca. A proposta apresentada no Parlamento será votada na próxima semana na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa.
Se o diploma for aprovado, cria-se um crédito de juros, que será descontado quando as taxas de juro começarem a ficar positivas. Os bancos têm vindo a aplicar uma taxa de zero no caso dos contratos cujo spread (a margem comercial dos bancos) seja inferior à cotação negativa da Euribor (de -0,272% a seis meses e de -0,329% a três meses).
Por exemplo, num empréstimo indexado à Euribor a seis meses, que está em -0,272%, com um spread de 0,25%, o cliente não paga juros, mas não abate o capital; agora, o valor sobrante passa a ficar em crédito. Há quase três anos que as taxas Euribor caíram para valores abaixo de zero. A Euribor a três meses está em valores negativos desde abril de 2015. A taxa a seis meses, a mais usada nos contratos de crédito à habitação, está em terreno negativo desde novembro de 2015.
A iniciativa partiu de uma proposta do Bloco em 2016 e teve por base uma sugestão da Deco. A associação de defesa do consumidor levanta agora receios de que possa haver demoras na sua aplicação, com mais perdas para os detentores de crédito à habitação. "Receamos que possa haver demoras na aplicação da lei, e que acabe por entrar em vigor quando as Euribor já estiverem quase positivas", considera Nuno Rico. A associação, que ameaçou no ano passado avançar com o tema para a Justiça, vai agora analisar o novo diploma. Isto porque, defende o economista da Deco, "sem retroatividade não irá beneficiar, nem compensar o prejuízo dos consumidores".
Para João Galamba, do PS, o diploma é uma "solução equilibrada, preservando a estabilidade da banca em matéria de rácios de solvabilidade e a salvaguarda dos direitos dos clientes". O Bloco de Esquerda saudou o acordo conseguido com o PS, mas admite que a lei vem "com dois anos de atraso".
Bancos contra medida
A Associação Portuguesa de Bancos (APB) opõe-se a que os juros negativos sejam refletidos nos contratos de crédito, no futuro. Considera que isso poderia "ter custos irreversíveis a médio e longo prazo para o setor". E defende que "é de vital importância que não se adotem medidas" que possam colocar em causa "o momento de viragem" do setor.
Argumenta que, caso as Euribor negativas se reflitam no crédito, isso levaria a "um tratamento desigual", já que, lembra, "os bancos nacionais encontram-se impedidos de aplicar taxas de juros negativas nos depósitos, uma situação que não encontra paralelo na generalidade dos países da Europa".
A interpretação da APB é de que a natureza de um contrato de crédito "não admite que o banco pague ao cliente pelo empréstimo que lhe concedeu". Numa primeira fase, o Banco de Portugal queria que as Euribor negativas fossem aplicadas nos contratos de crédito. Mas acabou depois por aceitar o argumento dado pelos bancos.
Fonte: Diário de Notícias
Foto: Orlando Almeida-GLOBAL IMAGENS