Processo contra Portugal devido a contratos para navios da Marinha

Bruxelas instaurou procedimento de infração pela não aplicação ou uso incorreto da lei europeia no contrato com a West Sea

A eurodeputada Ana Gomes considera "extraordinário" que Bruxelas tenha aberto um procedimento de infração contra Portugal sobre um dossiê em que a justiça portuguesa "não fez nada".

"A Comissão chegou à conclusão de que houve violação" do direito comunitário, enquanto o Tribunal de Contas "visou os contratos" de construção de dois patrulhões para a Marinha pela West Sea e "a Procuradoria-Geral da República não fez nada", lamenta Ana Gomes ao DN, depois de questionada sobre a decisão tomada na última semana por Bruxelas de instaurar o referido processo de infração.

Portugal tem dois meses para responder a Bruxelas após a notificação, explicando o processo - decidido pelo anterior governo em maio de 2015 - de atribuir, por ajuste direto, a construção de dois navios de patrulha oceânica à West Sea. Esta empresa do Grupo Martifer ganhou a subconcessão dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), que já estavam em processo de extinção.

O governo de Passos Coelho, onde José Pedro Aguiar-Branco era o ministro da Defesa, invocou "motivos de interesse público e urgência imperiosa [para] adquirir, no mais curto prazo possível", aqueles navios - que teriam de ser idênticos aos dois construídos e já entregues à Marinha pelos ENVC.

Ana Gomes reagiu logo nos dias seguintes, enviando cartas à Comissão, ao Tribunal de Contas e à PGR, requerendo que averiguassem "os factos relativos a esta encomenda" de 77 milhões de euros à luz das regras nacionais e europeias em matéria de atribuição de contratos públicos. Em causa, segundo a eurodeputada, estavam "questões de compatibilidade com o direito europeu da concorrência (auxílios estatais) e do mercado interno (contratação pública)".

O facto de o Estado ter investido 25 milhões de euros para ficar na posse do projeto de construção dos patrulhões feito pelos ENVC, cedendo-os depois "a uma empresa privada sem experiência de construção de navios e muito menos de guerra", foi um dos factos que Ana Gomes evoca ao DN como estando na base dos seus pedidos de inquérito.

O Ministério da Defesa confirmou ao DN que "os processos de infração desencadeados pela Comissão Europeia contra [...] Portugal, pela não aplicação, ou aplicação incorreta, da legislação da União Europeia em matéria de contratos públicos nos mercados da Defesa e Segurança, dizem respeito ao contrato de ajuste direto com a West Sea". Contudo, "aguardamos, neste momento, a notificação da Comissão Europeia à qual o governo tem dois meses para analisar e responder".

Note-se que, à luz das regras europeias, esta decisão de Bruxelas significa que Portugal deu esclarecimentos incompletos às dúvidas suscitadas nas primeiras fases do processo. Isso decorre da carta em que a comissária europeia Elzbieta Bienkowska (Mercado Interno) informou Ana Gomes, em junho de 2017, de que os seus serviços estavam "a analisar as informações recebidas" para depois proporem "o seguimento adequado".

Elzbieta Bienkowska lembrava na mesma carta que ainda está em curso um "procedimento de recuperação" por causa do "auxílio ilegal e incompatível" de 290 milhões de euros dado pelo Estado - durante os governos de José Sócrates - aos ENVC (e ainda não resolvido).

Fonte: Diário de Notícias
Foto: Gerardo Santos/ GLOBAL IMAGENS