Constitucionalistas contrariam ministra: não há nada na lei que limite o mandato da PGR

A ex-ministra da Justiça, acusa a sucessora de estar a protagonizar "mais uma falha de sentido de Estado" e a "fragilizar" a PGR

"Constitucionalmente não há nenhum impedimento à renovação do mandato do procurador-geral da República (PGR). Trata-se apenas de uma decisão política", afirma o constitucionalista Jorge Miranda, professor catedrático jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Questionado pelo DN sobre as declarações da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que respondendo à pergunta da TSF sobre se iria manter no cargo Joana Marques Vidal, afirmou que "a Constituição prevê um mandato longo e um mandato único".

De acordo com o artigo 220.º da Constituição da República Portuguesa, "o mandato do procurador-geral da República tem a duração se seis anos, sem prejuízo da alínea m) do artigo 133.º". Esta alínea diz apenas que "compete ao Presidente da República nomear e exonerar, sob proposta do governo, o presidente do Tribunal de Contas e o procurador-geral da República". A limitação do tempo de mandato foi inscrita em 1997.

O "pai" da Constituição Portuguesa salienta que "os casos em que é proibida a renovação dos mandatos são claramente expressos, como acontece em relação ao 3.º mandato do Presidente da República ou dos juízes do Tribunal Constitucional (duração "não renovável" de nove anos)".

Outros constitucionalistas ouvidos pelo DN argumentam da mesma forma, contrariando a afirmação de Van Dunem que criou, esta terça-feira, o caso político do dia e obrigou o primeiro-ministro, António Costa, a tentar esvaziar, sem sucesso, a polémica (ver texto ao lado). Jorge Bacelar Gouveia, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova, sublinha que na Constituição "há uma liberdade de base para a recondução destes cargos, sem limitação e, nos casos onde isso não acontece são claramente referidos".

Este constitucionalista lembra que "o texto do artigo sobre os mandatos do PGR é igual ao do presidente do Tribunal de Contas, sendo a duração de seis anos no primeiro caso e de quatro no segundo, sem referências a limite. É público que o ex-presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d"Oliveira Martins teve o seu mandato renovado por duas vezes (em 2009 e em 2013) sem que tivesse sido levantada qualquer dúvida jurídica".

Para este catedrático, que também foi deputado do PSD, as palavras da ministra da Justiça sobre esta matéria, "quando ainda faltam dez meses para o fim do mandato da Sra. Procuradora, ou são ignorância técnica ou maldade política". António Costa tinha defendido a ministra, dizendo que a sua resposta na entrevista se tratava de uma "opinião técnica e pessoal", não tendo o governo ainda decidido nada em relação ao mandato de Joana Marques Vidal.

Ministra "fragiliza" PGR

Também a ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, não conhece "qualquer impedimento jurídico" para Joana Marques Vidal ser reconduzida. "Nem politicamente nem juridicamente faz sentido", sublinha, criticando o timing das declarações da sua sucessora. "Dizer uma coisa destas quando ainda faltam meses para o fim do mandato da PGR obviamente que vai fragilizar a instituição e os seus dirigentes, principalmente quando estão a decorrer processos muito sensíveis. Isto revela, mais uma vez, uma falha do sentido de Estado. Não pode haver opiniões pessoais de uma ministra da Justiça numa matéria destas."

Joana Marques Vidal é elogiada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, com o seu presidente a reconhecer-lhe "mérito" no seu desempenho. Porém, António Ventinhas entende que, "por uma questão de princípio" defende o "mandato único" para os PGR, "independentemente das razões jurídicas ou políticas". Porque, explica, "reforça a sua autonomia: sabendo que o seu mandato é único não ficam dependentes de tomar certas decisões para agradar ao poder político para serem reconduzidos". Ventinhas espera, no entanto, que "quem suceda a Joana Marques Vidal, continue o seu trabalho e não se volte ao tempo em que não havia corrupção no Estado, mas apenas uma corrupçãozita de cafezinhos".

Esta é uma referência ao ex--PGR António Pinto Monteiro (2006-2012), que numa entrevista afirmou que "é claro que há tráfico de influências, há a corrupção do "cafezinho" e o "tome lá uns euros para fazer andar", num país com a burocracia que nós temos". Foi no seu mandato que o caso Freeport foi arquivado. Pinto Monteiro não foi reconduzido, tal como o seu antecessor José Souto de Moura (2000-2006), que geriu o processo Casa Pia. A lei mudou em 1997, depois de Cunha Rodrigues ter ocupado o cargo 16 anos.

Fonte: Diário de Notícias
Foto: Manuel de Almeida/LUSA