Constitucional nunca cumpriu prazos na fiscalização das contas dos partidos

Confissão é do Tribunal Constitucional que diz ser impotente e assume que os juízes não estão "tecnicamente preparados" para estas tarefas. Notificações de mandatários financeiros podem demorar anos.

O Tribunal Constitucional (TC) nunca conseguiu, em 15 anos, cumprir a lei e fiscalizar nos prazos previstos as contas dos partidos e das campanhas eleitorais. A confissão é do próprio Tribunal Constitucional na carta enviada ao Parlamento em novembro de 2016 e que esteve na base da nova legislação entretanto vetada pelo Presidente da República.

O documento reservado a que a TSF teve acesso arrasa, como já tinha sido noticiado, a lei que continua em vigor e que não se sabe quando será mudada, mas também com os escassos meios do próprio tribunal.

A carta acaba, na prática, por explicar o que leva o TC a ter mais de 20 processos pendentes. Aliás, há vários dias que a TSF pergunta ao TC, sem resposta, por que razão ainda não estão fechados os processos relativos às contas anuais desde 2013, nem as coimas de anos anteriores. Nas contas de campanhas as últimas completamente avaliadas são de 2011.

Na prática, se qualquer português quiser saber o que se passou na campanha das autárquicas de 2013, por exemplo (há mais de 4 anos...), a tarefa é impossível. O mesmo se aplica às contas anuais de todos os partidos.

Juízes não estão preparados

Na carta, o presidente do TC, Manuel da Costa Andrade, admite a total impotência e "gravidade da situação" que dura há 15 anos e que se tem agravado, levando à quase "paralisia" do sistema de fiscalização das contas da política.

Além de várias partes da lei aprovada em 2003 ser inconstitucional e da falta de meios humanos, o TC explica que os juízes "não estão, em geral, tecnicamente preparados" para "as múltiplas tarefas associadas à fiscalização das contas dos partidos e das campanhas".

Alertando para a paralisia do sistema se tudo continuasse como ainda hoje está, o Tribunal descreve os atrasos dos processos que tem pendentes: em 2000 as contas anuais eram apreciadas em 18 meses, mas agora o acórdão demora pelo menos 2 a 3 anos (quatro a seis vezes mais que o previsto na lei), sendo que a decisão sobre as respetivas sanções ou coimas demora mais 2 anos a ver a "luz do dia".

Ou seja, no total, 4 a 5 anos para fechar um processo de avaliação de contas partidárias.

Anos para notificar responsáveis pelas contas

Uma das situações mais bizarras descritas na carta é a notificação dos responsáveis pelas contas: "São reiteradas as frustrações de notificação dos legais representantes dos partidos, enviadas para as sedes, bem como a notificação dos mandatários financeiros".

Num verdadeiro calvário de notificações sem resposta, o TC explica que "algumas demoram anos" a chegar ao destino, só se resolvendo pedindo a ajuda da polícia.

No entanto, mesmo antes do processo de notificações, o tribunal admite que todo o processo já vai atrasado. Manuel da Costa Andrade defende que "os prazos previstos na lei são claramente irrealistas", ou seja, avaliar as contas anuais em 6 meses e as das campanhas eleitorais em 90 dias.

Estes prazos, sublinha o documento enviado aos deputados, "nunca foram cumpridos".

Nas autárquicas, por exemplo, ainda ninguém sabe o que se passou nas eleições de 2013 e o TC confessa que o parecer da Entidade das Contas demora cerca de 3 anos e que assim é impossível fechar o caso a tempo das autárquicas seguintes.

Sem as mudanças pedidas em novembro de 2016 e que continuam na gaveta porque entretanto os partidos acrescentaram outras mudanças polémicas que levaram ao veto do Presidente da República, o TC defendia que iriam continuar os atrasos crónicos que levam mais de 20 processos de prestação de contas políticas a estarem paralisados e que voltariam à estaca quase zero se a nova lei avançasse como estava escrita.

Fonte: TSF
Foto: Jorge Carmona/Global Imagens